EUAD 1 - As ações da CIA no Brasil
14/12/2011
Os arquivos secretos da Marinha revelam como o serviço
secreto americano mantinha informantes infiltrados entre os comunistas
brasileiros
LEONEL ROCHA, EUMANO
SILVA E LEANDRO LOYOLA
O AGENTE
Manoel
dos Santos Guerra Júnior, de 79 anos, em seu apartamento e documentos do
Cenimar com sua história (abaixo).
O Cenimar o trata como informante da repressão brasileira e da CIA. Ele nega
tudo (Foto: divulgação) http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/12/acoes-da-cia-no-brasil.html
Nos tempos da Guerra Fria, a atuação agressiva dos
serviços secretos era um meio de ultrapassar as fronteiras da “cortina de
ferro”, expressão usada para designar a divisão do mundo em áreas de influência
dos Estados Unidos e da extinta União Soviética. Espiões infiltrados em
governos, partidos e grupos armados tiveram participação determinante em muitos
fatos históricos daquele período. A aura de mistério em torno dos agentes
secretos criou mitos e inspirou o cinema e a literatura policial. Esse ambiente
que mistura lendas e segredos de Estado forneceu farto material para denúncias
e especulações sobre a influência da Central Intelligence Agency (CIA), o
serviço secreto dos Estados Unidos, em acontecimentos relacionados à ditadura
militar instalada em 1964.
Os arquivos secretos da Marinha obtidos com
exclusividade por ÉPOCA ajudam a entender a nebulosa relação dos governos
militares brasileiros com a agência de espionagem americana. Esta segunda
reportagem sobre o conteúdo de mais de 2 mil páginas produzidas pelo Centro de
Informação da Marinha (Cenimar) torna públicos, pela primeira vez, documentos
da ditadura que comprovam o envolvimento direto de agentes da CIA em fatos
ocorridos no Brasil antes e depois do golpe de 31 de março. Nos arquivos do
Cenimar, a que ÉPOCA teve acesso, aparecem descritos dois casos de aliciamento
de militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o “Partidão”, pela CIA. Um
deles, um ano antes da tomada do poder pelos militares, informação que reforça
a tese de envolvimento da CIA na preparação do golpe de 1964. Em março de 1963,
segundo os documentos, Manoel dos Santos Guerra Júnior, o Guerrinha, militava
no PCB quando recebeu a visita de um estrangeiro. De acordo com a versão
documentada pelo Cenimar, o desconhecido falava com sotaque e se apresentou
como agente da CIA. Sem fazer cerimônias, convidou o dono da casa para
trabalhar como informante remunerado da agência americana.
Aos 30 anos, Guerra Júnior conhecia o PCB por dentro.
Filho de um veterano comunista, tinha contatos com dirigentes estaduais do
partido e atuava no comitê universitário. Sua primeira reação à oferta, dizem
os documentos, foi dizer não. Em outro encontro, o visitante disse que fez a
abordagem porque sabia que Guerra Júnior, em troca de dinheiro, colaborava
havia algum tempo com o Cenimar e com o Conselho de Segurança Nacional (CSN),
órgão de assessoramento direto do presidente da República. A revelação feita
pelo visitante quebrou a resistência do brasileiro, de acordo com o relato do
Cenimar. Guerra Júnior, afirma o documento, passou a trabalhar para a CIA com
salário mensal de 60 mil cruzeiros, mais o aluguel de um apartamento e um emprego
formal.
O caso narrado acima ficou registrado em um relatório
de cinco páginas do Cenimar, produzido em 1964 e rebatido à máquina em abril de
1970. Para ter uma ideia do tratamento especial dado a essas informações,
trata-se de um dos poucos documentos com tarja de “ultrassecreto” no material
do Cenimar. Esses documentos fazem parte de um pacote de papéis identificado
como Operação Master. A curiosa história de Guerra Júnior é contada em detalhes
no texto produzido pela Marinha. Antes de ser aliciado pela CIA, Guerra Júnior
recebia por mês, de acordo com o documento, 10 mil cruzeiros do Conselho de
Segurança e 20 mil cruzeiros do Cenimar. Ele se tornou, segundo o Cenimar, um
militante comunista e triplo agente secreto. O documento diz que o Cenimar continuou
remunerando Guerra Júnior mesmo depois que ele passou a trabalhar para a CIA e
para o Conselho de Segurança.
http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/12/acoes-da-cia-no-brasil.html
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Advogado, Guerra Júnior hoje tem 79 anos e mora num
apartamento de classe média em Copacabana, no Rio de Janeiro. Em entrevista a
ÉPOCA, ele negou ter sido agente da CIA, do CSN e do Cenimar, embora tenha
confirmado o uso do apartamento e o nome de pessoas com as quais mantinha
relações. “Estas acusações são um absurdo”, diz Guerra Júnior. “Nunca fui
informante e também não é verdade que eu tenha tido emprego no CSN. Estas
informações são uma falsificação. Estes relatórios devem ter sido forjados por
organizações anticomunistas para justificar a verba que recebiam do exterior”,
afirma o advogado. Guerra Júnior diz ter sido integrante do PCB desde os 19
anos, alinhado com as orientações de Luiz Carlos Prestes, como o pai. Afirma ainda
que, por causa da militância, esteve preso duas vezes. “Disseram no partido que
eu era policial e, por isso, me afastei da militância depois do golpe. Eu me
senti ameaçado”, diz.
Ele
(agente da CIA) disse que queria informações. Eu disse que não podia fazer o
trabalho "
Armênio Guedes, ex-dirigente do PCB
Os documentos da Operação Master reúnem informações
sobre o período de 1963 até 1973. As relações do aparato de informação montado
pelo regime militar no Brasil com a CIA nessa década permaneceram até hoje
obscurecidas pela falta de documentos. O segundo caso relacionado à presença da
CIA no Brasil registrado pelos arquivos da Marinha expõe detalhes dessa
cooperação. No dia 3 de dezembro de 1972, o Jornal do Brasil publicou
uma entrevista de página inteira com um homem de 43 anos que se apresentou como
“Agente Carlos” e disse ter sido durante mais de dez anos colaborador direto de
Luiz Carlos Prestes, secretário-geral e líder máximo do PCB. Ele afirmou que
procurara o jornal para denunciar as “maquinações do Movimento Comunista
Internacional”. Sem revelar sua verdadeira identidade, relatou como o PCB
funcionava na clandestinidade e deu detalhes sobre as conexões com a União
Soviética e com os partidos comunistas da América Latina. Boa parte das
declarações do “Agente Carlos” se referia às movimentações de Fued Saad,
dirigente do PCB responsável pela seção de relações exteriores do partido, e de
Prestes, na época exilado em Moscou. O “Agente Carlos” disse ter-se arrependido
da militância comunista depois de duas décadas no partido. Também afirmou que,
durante muito tempo, foi assediado para se tornar informante no Brasil da KGB,
o serviço secreto soviético. Deu também o nome de dois agentes da KGB no
Brasil, Nikolai Blagushin e Victor Yemelin. Quatro dias depois da entrevista, o
JB publicou a identidade verdadeira do denunciante. O “Agente Carlos” se
chamava Adauto Alves dos Santos, integrante da seção de relações exteriores do
PCB e auxiliar direto de Prestes.
“AGENTE CARLOS”
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Acima, reprodução de reportagem do Jornal
do Brasil, de 1972, em que Adauto dos Santos, militante do PCB, denunciava as
conexões internacionais do Partidão. Segundo os documentos do Cenimar, a
entrevista foi arquitetada com a participação da CIA (Foto: reprodução)
A atitude de Adauto ao buscar o jornal intrigou alguns
dirigentes do PCB. Eles suspeitaram que a CIA tivesse participação no
aparecimento público do auxiliar de Prestes. Naqueles anos, vários integrantes
da cúpula do partido haviam sido procurados por agentes americanos, mas não
havia provas da ação da CIA no episódio. Os arquivos da Marinha sugerem que a
entrevista do “Agente Carlos” tenha sido orientada pela CIA. No dia 15 de
setembro de 1972, um dos principais oficiais do Cenimar enviou ao então diretor
do órgão, almirante Joaquim Coutinho Neto, dois documentos sobre a Operação
Sombra, ambos relacionados à entrevista de Adauto. Um dos papéis tem o timbre
do SNI e a inscrição “Presidência da República”. Em cinco páginas manuscritas,
relata a formação de dois grupos de trabalho, um em Brasília e outro no Rio,
ambos com representantes do SNI, do Cenimar e da CIA. O grupo do Rio tinha a
missão de, entre outras medidas, criar condições para ouvir, com toda a
segurança e sigilo, o “elemento infiltrado” pela CIA no Movimento Comunista
Internacional (MCI). O homem foi tratado como “Sr. Sombra”. O plano relatado no
documento incluía uma entrevista aos meios de comunicação para denunciar as
“manobras do MCI”. Foi o que aconteceu nas páginas do Jornal do Brasil menos
de três meses depois.
Um relatório preparado para o almirante Coutinho diz
que o “informante” foi entrevistado pelo Cenimar na presença de um
representante da CIA. O nome de Adauto, ou do “Agente Carlos”, não é citado no
documento, mas o cruzamento das informações do Cenimar com a reportagem do Jornal
do Brasil sugere que se trata da mesma pessoa. As referências ao comunismo
internacional, à política latino-americana e ao comunista Fued Saad e à KGB são
coincidentes. O “informante” também fala ao Cenimar de Nikolai Blagushin e
Victor Yemelin, os dois soviéticos que mantinham contato com o PCB no Brasil.
ELE DISSE NÃO
Armênio
Guedes em sua casa, em São Paulo. Ele afirma que recebeu proposta para ser
informante da CIA. Rejeitou. Depois foi enviado ao Chile pelo PCB
http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/12/acoes-da-cia-no-brasil.html
http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2011/12/acoes-da-cia-no-brasil.html
A aparição pública de Adauto cumpriu um cronograma
recusado por outros comunistas. Um dirigente do partido, Armênio Guedes, hoje
com 88 anos e residente em São Paulo, diz que certa vez foi procurado por um
sujeito com aparência de latino que, na opinião dele, era da CIA. “Ele me disse
que sabia de minhas divergências com a ala do partido que defendia a luta
armada e gostaria de informações. Assustado, eu disse que não podia fazer o
trabalho. Alguns dias depois, por segurança, a direção do partido me mandou para
o Chile”, afirma Guedes. Outro antigo dirigente do PCB, Givaldo Siqueira,
afirma que sabia da infiltração da CIA no partido desde antes do golpe. “Os
companheiros que eram abordados pela CIA e nos avisavam eram mandados para o
exterior, mas não sabíamos de todos que eram procurados”, diz Siqueira.
Um fato ocorrido em 1987 deixou os comunistas ainda
mais intrigados. Durante uma comemoração na Embaixada da União Soviética em
Brasília pelos 70 anos da revolução russa, o dirigente comunista Salomão Malina
reconheceu Adauto dos Santos entre os presentes. Revoltado, Malina pediu aos
integrantes do PCB que se retirassem com ele. No dia seguinte, três
representantes do partido estiveram na embaixada para pedir explicações. Não
tiveram resposta. Na cúpula do “Partidão” ficou a suspeita de que Adauto também
fora agente da KGB, além de informante da CIA. ÉPOCA tentou localizar Adauto em
Brasília, em seu último endereço conhecido, mas o porteiro do prédio disse que
ele não morava mais no local.
OS CANAIS OFICIAIS
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O
presidente Castello Branco (à esq.)
cumprimenta o embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, em Brasília, em 1964. Gordon
sempre sustentou que a atuação dos EUA no golpe de 1964 resumiu-se a medidas
para retirar cidadãos americanos do Brasil
O envolvimento dos Estados Unidos com a ditadura brasileira pouco aparece em documentos oficiais. Registros revelam que, desde 1962, a CIA informava o governo americano das movimentações militares e civis contra o governo João Goulart. Os americanos negam ter participado diretamente do golpe que derrubou o presidente João Goulart em 1964 e colocou o marechal Humberto Castello Branco no poder – embora tenham mobilizado navios de guerra e petroleiros rumo ao litoral brasileiro no episódio conhecido como Operação Brother Sam. Numa carta escrita ao historiador Ronaldo Costa Couto, chefe da Casa Civil no governo José Sarney, o embaixador dos EUA no Brasil na ocasião do golpe, Lincoln Gordon, disse que o objetivo da frota era ajudar cidadãos americanos a deixar o Brasil se eclodisse uma guerra civil. “Estes arquivos da Marinha são fundamentais para o esclarecimento do passado recente do Brasil”, afirmou Costa Couto a ÉPOCA.
O envolvimento dos Estados Unidos com a ditadura brasileira pouco aparece em documentos oficiais. Registros revelam que, desde 1962, a CIA informava o governo americano das movimentações militares e civis contra o governo João Goulart. Os americanos negam ter participado diretamente do golpe que derrubou o presidente João Goulart em 1964 e colocou o marechal Humberto Castello Branco no poder – embora tenham mobilizado navios de guerra e petroleiros rumo ao litoral brasileiro no episódio conhecido como Operação Brother Sam. Numa carta escrita ao historiador Ronaldo Costa Couto, chefe da Casa Civil no governo José Sarney, o embaixador dos EUA no Brasil na ocasião do golpe, Lincoln Gordon, disse que o objetivo da frota era ajudar cidadãos americanos a deixar o Brasil se eclodisse uma guerra civil. “Estes arquivos da Marinha são fundamentais para o esclarecimento do passado recente do Brasil”, afirmou Costa Couto a ÉPOCA.
O historiador americano Peter Kornbluh, analista do
Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, afirma que até hoje não haviam aparecido
documentos com referências diretas à contratação pela CIA de agentes no Brasil.
“Sabemos que existiram operações secretas da CIA na América Latina”, afirma Kornbluh.
“Mas não conheço documentos que mostrem atividades assim no Brasil.” Os
documentos revelados por ÉPOCA, segundo Kornbluh, podem suscitar novas buscas
nos arquivos da CIA. “Com esses papéis, podemos tentar desclassificar
documentos da CIA (referentes a essas atividades no Brasil)”, diz.
Segundo ele, é um processo longo, que pode demorar entre quatro e cinco anos.
A REDE
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Um dos poucos documentos ultrassecretos
do Cenimar afirma que havia uma rede de espionagem da CIA funcionando em
território nacional antes do golpe militar de 1964
O CONVITE
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O texto diz que Manoel dos Santos Júnior
foi procurado por um estrangeiro e recebeu proposta para trabalhar como
informante da CIA no Brasil em março de 1963
A ASSOCIAÇÃO
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Documento do SNI, arquivado no Cenimar,
trata da associação dos serviços secretos brasileiro e americano. Diz o texto:
“Organizar dois grupos de trabalho com elementos do SNI, CIA e Cenimar”
SOMBRA
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Documento do Cenimar para o ministro da
Marinha informa sobre a Operação Sombra. A operação foi a entrevista de Adauto
dos Santos ao JB, denunciando atividades dos comunistas
JUNTOS
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O texto
afirma que agentes do Cenimar falaram com Sombra junto com um agente da CIA
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