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Quinta-feira, 26 de Junho de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 804
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MÍDIA & SOCIEDADE
MD- 3 - Cultura,
ditadura e imprensa alternativa
Por Tarcizio Macedo em 27/11/2012
na edição 722
Hoje, com a
consolidação da democracia e do sistema capitalista – da corrida frenética pelo
lucro – muito se falou, sem qualquer afirmação concreta e concisa, que já não
havia espaço na sociedade para a imprensa alternativa. Que o fim do regime
autocrático colocaria fim à necessidade e função de uma mídia declaradamente,
direta ou indiretamente, opositora.
Confundiu-se, em
determinado período da história recente do Brasil, que a luta do alternativo
era unicamente promover o fim do regime militar e que, portanto, não haveria,
hoje, condições favoráveis à existência de uma imprensa defensora dos
interesses nacionais e populares. De certa forma, após o fim do regime
autoritário, eles deixaram de desempenhar o papel de antes, já que a nova
conjuntura requeria uma adaptação e remodelação aos conceitos outorgados para
não sucumbir diante de novos paradigmas estabelecidos após a abertura política.
Era chegado o
momento de estratégias ousadas, novas possibilidades e um processo de massificação
dos jornais alternativos a partir da incorporação de meios massivos e
amplificadores como, por exemplo, a multiplicação de tiragens para uma geração
e propagação dos pensamentos e comportamentos apropriados para o funcionamento
e massificação dos ideais defendidos pelos jornais alternativos – além de uma
maior acessibilidade e popularização, principalmente uma maior aproximação com
a imensa massa de trabalhadores, uma novidade trazida a partir dos
acontecimentos em curso no país.
Já sabendo que a imprensa desempenha – segundo o filósofo e pesquisador
estadunidense Douglas Kellner pontua em Cultura da Mídia – o
papel categórico de fornecer a legitimação ideológica que fundamenta a
existência e a integração dos indivíduos em sociedade, promovendo – juntamente
com a cultura – a legitimação dos governos autoritários.
O
choque de culturas
Predominava no Brasil, naquele momento (1964-1985), a cultura da
ditadura que funcionava com um poderoso instrumento para promover os valores do
governo militar e as atitudes tomadas por quem se dizia ser o representante do
povo e o protetor da nação contra a “ameaça vermelha”. De certa forma, como
afirma o filósofo e crítico literário britânico Terry Eagleton em A
Ideia de Cultura, “uma cultura pluralista deve ser de qualquer forma
exclusivista, já que precisa excluir os inimigos do pluralismo”. Não que a
cultura da ditadura seja pluralista, longe disso. Trocando-se
pluralista/pluralismo por ditatorial/autoritarismo, ou sinonímias, o argumento
é completamente válido.
Como assinala Geoffrey Hartman em The fateful question of
culture, nós temos agora cultura da fotografia, cultura das armas de fogo,
cultura da prestação de serviços, cultura de museu, cultura da dor, cultura do
medo, cultura dos cafés etc. Por que não haveria uma cultura do autoritarismo
em plena ditadura, para algumas pessoas, refletindo obedientemente à
fragmentação da vida política neste período?
Esta mesma cultura
conflitava com a cultura democrática, a cultura comunista, a cultura
anarquista, a cultura popular etc. Estas, por sua vez, tendiam a considerar a
cultura mais ampla – a ditatorial – sufocadamente opressiva, com frequência por
excelentes razões, elas compartilharam aversão às atitudes de forte repressão
do Estado ao interesse de emancipação com ações diretas de militantes,
políticos, estudantes e guerrilheiros armados que passavam a se organizar, em
sua maioria na ilegalidade, como a Guerrilha do Araguaia (a maior guerrilha
brasileira), a Ação Libertadora Nacional (ALN), a Vanguarda Popular Revolucionária
(VPR), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB, uma dissidência do PCB), o
Movimento Nacionalistas Revolucionário (MNR), a Vanguarda Armada Revolucionária
Palmares (VAR-Palmares), o Comando de Libertação Nacional (Colina) a Ação
Popular (AP), que mais tarde seria chamada de APML (Ação Popular
Marxista-Leninista) e os movimentos estudantis, organizados principalmente pela
União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes
Secundaristas (UBEs) e respectivas União Estadual dos Estudantes (UEEs), entre
outros.
A
transformação social
A cultura passa a
ser um campo de batalha feroz, deixa de ser parte da solução para se tornar
parte do problema. “Tornou-se parte do próprio léxico do conflito político. A
cultura passa a ser um campo de batalha em que as causas se travam publicamente
e se combatem uma contra a outra”, afirma Eagleton.
Não seria diferente
no caso do Brasil; a cultura como cúmplice criminosa é apenas um lado da
história. Há muito na cultura que presta testemunho contra a ditadura. Porque a
cultura significa não apenas uma identidade exclusivista, ou um lado da moeda
apenas, mas se refere também àqueles que protestam coletivamente contra uma tal
identidade. Se houve uma cultura da ditadura brasileira, haveria, pois, a
necessidade de se criar uma contracultura do autoritarismo, uma cultura de
resistência ditatorial. Uma vez que ambos os sentidos da palavra são
ambivalentes e conflitantes, nenhum deles pode ser simplesmente mobilizado sem
que haja a provocação de um choque com o outro; um antagonismo.
Eis que surge, neste contexto, uma imprensa disposta a se opor e
criticar o sistema vigente; a revelar o que a imprensa servil ao sistema e
favorável ao status quo tratou de se distanciar, buscando uma
outra alternativa de jornalismo e imprensa, tomando para si o princípio
jornalístico de aflorar os conflitos e produzir alterações significativas na
intenção de que “os comportamentos e as ações sociais, derivadas dos atos
comunicativos do jornalismo, realimentasse o processo social, provocando
transformações nos cenários da atualidade e da ordenação ética, política e
moral da sociedade”, como disse o pesquisador Manuel Carlos Chaparro, membro do
Conselho Curador da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação (Intercom) e ganhador de quatro Prêmios Esso de Jornalismo pelas
suas matérias investigativas a respeito da função social do jornalismo. Não
existe, pois, jornalismo se você não tem a intenção, direta ou indireta, de
provocar uma mudança ou transformação social.
Interesse público e do público
Foram pessoas comuns: jornalistas, estudantes, intelectuais, militantes,
políticos, que lutavam utilizando, como afirma o jornalista Clóvis Rossi em O
que é jornalismo, "uma arma de aparência extremamente
inofensiva", as palavras, contra as Forças Armadas do Brasil, o governo
brasileiro, o poder do Estado, exercendo o direito humano à subversão civil
diante de uma ditadura. Exercendo o jornalismo mais que meramente uma
profissão, mas como um direito fundamental do cidadão e do exercício civil de
questionar o que se faz na máquina administrativa pública. Era função do Deops
(Departamento Estadual de Ordem Política e Social) e do DOI-Codi (Destacamento
de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) “prevenir
a proliferação de ideias consideradas (e chamadas por eles) ‘subversivas’ e
reprimir o anarquismo e ideologias ‘exóticas’”, em nome dessas funções
burocráticas e da cultura implantada foi criado um aparato repressor que
prendeu, torturou e matou milhares de pessoas.
A cultura da
ditadura não foi unicamente aquilo do que viveram os seus idealizadores e
defensores. Ela também foi, em grande medida, aquilo para o que viveram, um
modo de vida; não foi apenas o que se colocou no toca-fitas, foi aquilo pelo
quê, muitas vezes, se matou. Foi nesse momento que o país vivenciou uma
multiplicação da mídia alternativa em todo o território nacional, que vão do
sucesso ao fracasso, em uma história de lutas, sacrifícios, riscos, perdas e
ganhos. Contudo, somente por serem do povo (sob controle popular) e para o povo
é que puderam servir aos ideais e causas populares.
Talvez, sem desmerecer a irreverência, o humor satírico atrativo e o
conteúdo diferenciado, a própria perseguição e repressão levaram o conhecido
hebdomadário O Pasquim a alcançar números espantosos de
tiragens (200 mil exemplares semanais nos primeiros anos) e outras publicações,
como Opinião e Movimento, funcionando
indiretamente como um marketingao semanário, que tinha como baluarte o espírito
de sacrifício e elevado grau de organização. Refletindo o próprio interesse da
sociedade da época pelos assuntos tratados pelo semanário, já que havia
interesse público, mas também do público. Vale lembrar que é da natureza humana
a sensação de curiosidade que desperta frente a algo proibido ou censurado.
Jornalismo
independente
No que diz respeito
à historiografia, há um vácuo na trajetória da imprensa alternativa na
Amazônia. Mas não é uma particularidade dessa região, o país ainda carece de
pesquisadores empenhados para levar a conhecimento público a história da mídia
alternativa em um país que sofreu com um regime ditatorial opressor, onde as
liberdades individuais e os direitos humanos eram paulatinamente
desrespeitados.
O bom jornalismo, refém do capitalismo e da autocensura, continuará a
ser mero porta-voz. Este jornalismo, já que não assume uma autocrítica e
reflexão em relação ao seu atual fazer profissional e diante dos erros de suas
próprias vitórias, será fadado ao descrédito e não encontrará amparo em uma
sociedade cada vez mais a procura de respostas para os seus problemas. Há uma
incapacidade por parte do mercado, e por vezes do profissional, em refletir o
exercer de sua profissão, em responder positivamente diante das enormes
possibilidades colocadas pela democracia. Ademais, há uma covardia
profissional, como afirmou Lúcio Flávio Pinto em entrevista ao Observatório
da Imprensa, alguns jornalistas brasileiros e uma parte dos jornalistas no
mundo não querem, hoje, correr riscos, querem uma carreira linear, um “lead
linear”, como diria Marcuzzi.
O povo passa a ver suas demandas ficarem silenciadas pelos profissionais
que deveriam ser críticos, mas que estão mais preocupados em manter o emprego
do que em fazer jornalismo. Heródoto Barbeiro e Paulo Lima dizem no livro Manual
de Telejornalismo que “ninguém se exime da justificativa de que
‘apenas cumpriu ordens do chefe’”.
Hoje, ainda
deparamos com a impossibilidade de realização de um jornalismo independente no
capitalismo monopolista, onde dificilmente a imprensa tradicional voltará a dar
voz a todos e promover mudanças. No meio de grandes empresas jornalísticas,
ainda agonizam representantes da mídia alternativa no Brasil, que clama para
que sua história seja revelada.
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[Tarcizio Macedo é estudante de Jornalismo, Belém, PA]
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