A Mídia na Ditadura Militar - Basta e Fora - dois editoriais do Correio da Manhã









MD-29 - Basta e Fora - dois editoriais do Correio da Manhã

31/03/1964
Os dois editoriais que se transcreve a seguir são um retrato do clima existente em boa parte da imprensa brasileira no momento do golpe de 64 e uma demonstração clara do isolamento político de João Goulart. Afinal, o “Correio da Manhã”, um dos mais influentes jornais do país à época, não era conservador, tanto que, em 1961, defendera a posse de Jango. Sua agressiva campanha contra o presidente indicava claramente o deslocamento político ocorrido na classe média durante aquele período. Jango estava liquidado. A ditadura militar estava começando. O “Correio da Manhã” não teria vida longa. Logo estaria na oposição à ditadura e sofreria fortes represálias. Como jornal independente, resistiu até o AI-5.

       “Basta!”

(31 mar. 1964)



Até que ponto o Presidente da República abusará da paciência da Nação? Até que ponto pretende tomar para si, por meio de decretos-lei, a função do Poder Legislativo? Até que ponto contribuirá para preservar o clima de intranqüilidade e insegurança que se verifica presentemente, na classe produtora? Até quando deseja levar ao desespero, por meio da inflação e do aumento do custo de vida, a classe média e a classe operária? Até que ponto quer desagregar as Forças Armadas por meio da indisciplina que se torna cada vez mais incontrolável?
Não é possível continuar neste caos em todos os sentidos e em todos os setores. Tanto no lado administrativo como no lado econômico e financeiro.

Basta de farsa. Basta da guerra psicológica que o próprio Governo desencadeou com o objetivo de convulsionar o País e levar avante a sua política continuísta. Basta de demagogia, para que, realmente, se possam fazer as reformas de base.

Quase todas as medidas tomadas pelo Sr. João Goulart, nestes últimos tempos, com grande estardalhaço, mas inexeqüíveis, não têm outra finalidade senão a de enganar a boa-fé do povo, que, aliás, não se enganará.
Não é tolerável esta situação calamitosa provocada artificialmente pelo Governo, que estabeleceu a desordem generalizada, desordem esta que cresce em ritmo acelerado e ameaça sufocar todas as forças vivas do país.

Não contente de intranqüilizar o campo, com o decreto da Supra, agitando igualmente os proprietários e os camponeses, de desvirtuar a finalidade dos sindicatos, cuja missão é a das reivindicações de classe, agora estende a sua ação deformadora às Forças Armadas, destruindo de cima a baixo a hierarquia e a disciplina, o que põe em perigo o regime e a segurança nacional.

A opinião pública recusa uma política de natureza equívoca que se volta contra as instituições, cuja guarda deveria caber ao próprio Governo Federal.
Queremos o respeito à Constituição. Queremos as reformas de base votadas pelo Congresso. Queremos a intocabilidade das liberdades democráticas. Queremos a realização das eleições em 1965. Se o Sr. João Goulart não tem a capacidade para exercer a presidência da República e resolver os problemas da Nação dentro da legalidade constitucional, não lhe resta outra saída senão entregar o Governo ao seu legítimo sucessor.
É admissível que o Sr. João Goulart termine o seu mandato de acordo com a Constituição. Este grande sacrifício de tolerá-lo até 1966 seria compensador para a democracia. Mas, para isto, o Sr. João Goulart terá de desistir de sua política atual, que está perturbando uma Nação em desenvolvimento e ameaçando de levá-la à guerra civil.

A Nação não admite nem golpe nem contragolpe. Quer consolidar o processo democrático para a concretização das reformas essenciais de sua estrutura econômica. Mas não admite que seja o próprio Executivo, por interesses inconfessáveis, quem desencadeie a luta contra o Congresso, censure o rádio, ameace a imprensa e, com ela, todos os meios de manifestações do pensamento, abrindo o caminho à ditadura.

Os Poderes Legislativo e Judiciário, as classes armadas, as forças democráticas devem estar alertas e vigilantes e prontos para combater todos aqueles que atentarem contra o regime.

O Brasil já sofreu demasiado com o Governo atual. Agora, basta!”



      “Fora!”
(1o abr. 1964)
“Art. 83. Parágrafo único. O Presidente da República prestará, no ato da posse, este compromisso: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição da República, observar as suas leis, promover o bem geral do Brasil, sustentar-lhe a união, a integridade e a independência".

Este foi o juramento prestado pelo Sr. João Goulart no dia 7 de setembro de 1961, perante o Congresso Nacional.

Jurou e não cumpriu.
Não é mais Presidente da República.

Fora!

A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo por mais tempo. Não resta outra saída ao Sr. João Goulart senão a de entregar o Governo ao seu legítimo sucessor. Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: saia.
Durante dois anos o Brasil agüentou um Governo que paralisou o seu desenvolvimento econômico, primando pela completa omissão, o que determinou a completa desordem e a completa anarquia no campo administrativo e financeiro.

Quando o Sr. João Goulart saiu de seu neutro período de omissão foi para comandar a guerra psicológica e criar o clima de intranqüilidade e de insegurança, que teve o seu auge na total indisciplina que se verificou nas Forças Armadas.

Isto significou e significa um crime de alta traição contra o regime, contra a República, que ele jurou defender.
O Sr. João Goulart iniciou a sedição no País. Não é possível continuar no poder. Jogou os civis contra os militares e os militares contra os próprios militares. É o maior responsável pela guerra fratricida que se esboça no território nacional.

Por ambição pessoal, pois sabemos que o Sr. João Goulart é incapaz de assimilar qualquer ideologia, ele quer permanecer no Governo a qualquer preço.
Todos nós sabemos o que representa de funesto uma ditadura no Brasil, seja ela de direita ou de esquerda, porque o povo, depois de uma larga experiência, reage e reagirá com todas as suas forças no sentido de preservar a Constituição e as liberdades democráticas.
O Sr. João Goulart não pode permanecer na presidência da República, não só porque se mostrou incapaz de exercê-la, como também porque conspirou contra ela, como se verificou pelos seus últimos pronunciamentos e seus últimos atos.
Foi o Sr. João Goulart quem iniciou de caso pensado uma crise política, social e militar, depois de ter provocado a crise financeira, com a inflação desordenada e o aumento do custo de vida em proporções gigantescas.
Qualquer ditadura, no Brasil, representa o esmagamento de todas as liberdades, como aconteceu no passado e como tem acontecido em todos os países que tiveram a desgraça de vê-la vitoriosa.

O Brasil não é mais uma nação de escravos. Contra a desordem, contra a mazorca, contra a perspectiva de ditadura, criada pelo próprio Governo atual, opomos a bandeira da legalidade.

Queremos que o Sr. João Goulart devolva ao Congresso, devolva ao povo o mandato que ele não soube honrar.

Nós do Correio da Manhã defendemos intransigentemente em agosto e setembro de 1961 a posse do Sr. João Goulart, a fim de manter a legalidade constitucional. Hoje, como ontem, queremos preservar a Constituição. O Sr. João Goulart deve entregar o Governo ao seu sucessor, porque não pode mais governar o País.

A Nação, a democracia e a liberdade estão em perigo. O povo saberá defendê-las. Nós continuaremos a defendê-las.” 

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