MD-25 - Documentos mostram que
jornalistas estrangeiros foram vigiados na ditadura do Brasil
Helena Mader - Correio
Braziliense - 15/07/2012
"Nunca imaginei que eles pensaram em me
colocar para fora do país, nem sabia que era considerado um opositor ou
comunista" - Charles Vanhecke, jornalista correspondente do Le Monde no
Brasil nos anos 1970
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Brasília – Cartas violadas, lixeiras reviradas e olhares observadores
eram parte da rotina do jornalista francês Charles Vanhecke, correspondente do
jornal Le Monde nos anos 1970. O repórter sabia das restrições impostas pela
ditadura, mas tentava driblar o controle para revelar à Europa a realidade
brasileira durante o regime militar. Ele agia de forma diplomática, sem entrar
em confronto com os generais. Ainda assim, era um alvo constante da polícia. O
que Charles Vanhecke não sabia é que o governo brasileiro cogitou até a sua
expulsão. O jornalista francês era visto como integrante do movimento
comunista.
"Nunca imaginei que eles
pensaram em me colocar para fora do país, nem sabia que era considerado um
opositor ou comunista", revelou Charles ao Estado de Minas.
Documentos guardados no Arquivo Nacional e localizados pela reportagem mostram que correspondentes estrangeiros dos principais jornais do mundo eram vistos como inimigos pela ditadura militar, que por várias vezes analisou a possibilidade de expulsá-los do território brasileiro. Os arquivos, à época secretos, foram divulgados graças à Lei de Acesso à Informação, sancionada no fim do ano passado.
Além de Charles Vanhecke, a repórter MarvineHeriettaHowe, do New York Times, também motivou a produção de dezenas de dossiês.
Documentos guardados no Arquivo Nacional e localizados pela reportagem mostram que correspondentes estrangeiros dos principais jornais do mundo eram vistos como inimigos pela ditadura militar, que por várias vezes analisou a possibilidade de expulsá-los do território brasileiro. Os arquivos, à época secretos, foram divulgados graças à Lei de Acesso à Informação, sancionada no fim do ano passado.
Além de Charles Vanhecke, a repórter MarvineHeriettaHowe, do New York Times, também motivou a produção de dezenas de dossiês.
"São obscuros os objetivos e propósitos a que se serve a senhora
Howe, bem como os motivos dessa constante indisposição contra o Brasil",
diz o trecho de um relatório sigiloso elaborado pela extinta Divisão de
Segurança e Informações (DSI).
Os dossiês disponíveis no Arquivo Nacional mostram que os militares
viveram um dilema. Alguns defendiam a expulsão sumária dos correspondentes do
Le Monde e do New York Times. Outros temiam a repercussão internacional
negativa que a medida traria. "Sugerimos, neste momento em que jornais
brasileiros são levados à Justiça por publicarem notícias inverídicas, que os
jornalistas MarvineHenriettaHowe e Charles Vanhecke sejam convidados a deixarem
o território nacional, pelo mesmo motivo", diz trecho de um documento da
Divisão de Segurança e Informação.
Mas uma facção do governo sabia do poder e da influência do New York Times e relutou em colocar para fora a correspondente americana. Com relação ao jornalista francês Charles Vanhecke, as dúvidas suscitadas eram as mesmas.
Mas uma facção do governo sabia do poder e da influência do New York Times e relutou em colocar para fora a correspondente americana. Com relação ao jornalista francês Charles Vanhecke, as dúvidas suscitadas eram as mesmas.
"A sua conduta é considerada contrária aos interesses nacionais
pelos órgãos de segurança e informação. É passível de expulsão. Entretanto,
dada a repercussão que tal medida causaria dentro e fora do país, foi proposta
uma nota consulta ao excelentíssimo senhor presidente da República", diz
um documento do Ministério da Justiça, datado do início de 1979 e assinado por
um assessor do governo.
Antes mesmo de o questionamento chegar às mãos do então presidente
Ernesto Geisel, os órgãos de informação souberam que Charles Vanhecke havia
deixado o país voluntariamente.
"O alienígena supracitado foi transferido para Madri/Espanha, onde
exerce as atividades de correspondente do mesmo jornal", relata um ofício
encaminhado ao Ministério da Justiça ainda em 1979.
Ofícios
Antes que Charles Vanhecke deixasse o país, seus artigos tiraram o sono
de muitos militares e motivaram a elaboração de dezenas de ofícios durante os
quatro anos em que o francês permaneceu em território brasileiro. Um dos textos
do Le Monde que causaram desconforto é datado de julho de 1974. Nele, Charles
Vanhecke relatava a existência de "prisões arbitrárias e maus tratamentos
nas cadeias". A reportagem falava sobre o desaparecimento de políticos e
de estudantes e citava, inclusive, a prisão do então aluno da Universidade de
Brasília Honestino Guimarães.
O documento 761/76, da Divisão de Segurança e Informação, informa que o
jornal Le Monde de 20 de agosto de 1976 publicou notícia de Charles Vanhecke
"na qual consta que os órgãos de segurança brasileiros mataram 10 membros
do CC/PCB, além de terem torturado e preso muitos outros". O ofício diz
que o correspondente, "num flagrante desrespeito ao país que o acolheu e
às regras de boa conduta profissional, difama o Brasil no exterior, baseando-se
e fazendo referência em seu artigo ao jornal clandestino do PCB, Voz Operária,
de abril de 1976, o que comprova suas ligações com a subversão comunista e
torna indesejável sua permanência no país."
Em 28 de março de 1975, o Le Monde publicou uma reportagem intitulada "Brasil: prisões, torturas, desaparições. Intensifica-se a repressão contra o partido comunista". Foram traduzidos os trechos considerados mais importantes, como o que afirma que 27 pessoas foram condenadas no Brasil por atividades consideradas subversivas" e todas afirmavam ter sido torturadas. Advogados de quatro dos presos afirmaram que seus clientes haviam sido mortos na prisão por conta de "sevícias". "A prisão de jornalistas e advogados indica que a repressão contra o Partido Comunista e seus simpatizantes se intensifica", declarou o repórter.
Nesse mesmo ano, a Divisão de Segurança e Informação enviou ofício ao Ministério da Justiça para lançar novo alerta sobre as atividades da jornalista MarvineHenriettaHowe, correspondente do New York Times. Os militares elaboraram uma nova ficha, que dizia que a repórter norte-americana nasceu na China, era solteira e vivia no Centro do Rio de Janeiro. O dossiê afirma que Marvine chegou ao Brasil em outubro de 1972, com um passaporte expedido no Líbano.
Antagonismo
O levantamento acerca das atividades da jornalista americana diz que em seus textos "verifica-se uma invariável deturpação e uma constante animosidade contra o Brasil, seu regime político e seu governo". Segundo o relatório do regime militar, no trabalho de Marvine, "fatos, decisões, acontecimentos de toda ordem são apresentados sob a luz de um constante e impiedoso antagonismo contra todos que tenham responsabilidade na implementação do modelo sócio-político brasileiro e contra medidas de política externa do continente".
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