Quinta-feira, 26 de Junho de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 804
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ECOS DE 1964
MD-8 - Na
ditadura, enfim, a mídia alcança o poder
Por Victor Gentilli
em 22/05/2007 na edição 434
Na história
brasileira, não durou sequer vinte anos a primeira experiência formalmente
democrática a partir de 1945-46, com o fim da ditadura do Estado Novo, a
convocação de uma Assembléia Constituinte e a liberdade partidária. Os barões
da mídia de então praticavam um jornalismo ostensivamente partidário. Mas o
poder daqueles jornais, revistas e emissoras de rádio era limitado, embora
aparentemente inquestionável. Tanto que os candidatos apoiados – praticamente à
unanimidade – pela mídia, sistematicamente perdiam eleições.
Em 1945, o
brigadeiro Eduardo Gomes tinha praticamente toda a mídia brasileira em sua
campanha para a Presidência da República. Pois o vencedor daquela primeira
eleição democrática brasileira foi o marechal Dutra, ex-ministro de Getúlio
Vargas que contou com discreto apoio do ex-ditador. Nas eleições seguintes, o
brigadeiro volta a disputar a presidência da República, mas seu oponente é o
próprio Getúlio Vargas, que abandona seu exílio voluntário numa fazenda em São
Borja para voltar "nos braços do povo" à Presidência da República.
Acompanhando a campanha de Getúlio Vargas, apenas o jornalista Samuel Wainer,
então no O Jornal, jornal do grupo do maior poderoso da mídia de então, Assis
Chateaubriand. Getúlio vence as eleições mas encontra uma mídia unanimemente
unida na oposição ao seu governo. Tamanha unanimidade faz com que o presidente
estimule Samuel Wainer a montar um jornal. Beneficiado por um empréstimo
generoso do Banco do Brasil Wainer inaugura a imprensa popular no Brasil com a
Última Hora, inicialmente lançada no Rio de Janeiro, pouco depois em São Paulo
e em várias outras capitais importantes.
A ousadia de Wainer
lhe custaria caro. Uma CPI na Câmara Federal – bafejada, apoiada e coberta com
enorme destaque pela mídia de então – inicialmente busca comprometer Wainer
pelo empréstimo recebido, mas termina por uma perseguição ferrenha alegando que
Wainer não seria brasileiro nato. Nem antes, nem depois, jamais falou-se tanto
em Bessarábia, região de onde viera a família Wainer quando emigrou para o
Brasil.
Sufocado e isolado
Wainer, a oposição e toda a mídia volta-se direto para seu objetivo: derrubar
Getúlio Vargas. Arauto de uma campanha violenta e irracional, Carlos Lacerda
misto de político e jornalista, discursa e publica editoriais violentos contra
o presidente em sua Tribuna da Imprensa, coluna que mantinha no Correio da
Manhã mas que transforma em jornal a partir de 1952. Em São Paulo, o
aristocrático O Estado de São Paulo repercutia a tonitroante vociferação
oposicionista.
Jornais empastelados
A pressão era
tamanha que um membro da guarda pessoal do presidente decide "colaborar
com o chefe" armando um atentado com a pretensão de matar Carlos Lacerda.
No início de agosto de 1954, o atentado é perpetrado, mata um militar da
aeronáutica que trabalhava na segurança de Carlos Lacerda e fere no pé o líder
oposicionista.
A partir do
fracassado atentado, a pressão aumenta até o paroxismo. Um inquérito militar
instaurado no Ministério da Aeronáutica passa a ser o centro das atenções – com
todo destaque midiático. No decorrer dos dias de agosto de 1954 a pressão sobre
o Catete só faz aumentar. O destaque que o inquérito da Aeronáutica recebe é
tamanho que, à medida que Getúlio vai sendo encurralado a "República do
Galeão" vai ganhando poder, liberdade e autonomia. Getúlio resiste cada
vez mais fraco e isolado até ser praticamente deposto. Uma reunião ministerial
avalia o quadro com pessimismo na madrugada do dia 24 de agosto. Com um tiro no
coração às 8h, Getúlio "sai da vida para entrar na história".
A reação popular ao
suicídio é tamanha mas sabe identificar os responsáveis. Os jornais são
invadidos, depredados, empastelados.
Nas eleições
seguintes a oposição decide mudar o candidato. Depois de duas derrotas
consecutivas, o brigadeiro Eduardo Gomes recolhe-se e a mídia brasileira – ao
lado das forças mais conservadoras opta por lançar o marechal Juarez Távora
como candidato à presidência. Mas uma bem montada aliança faz de Juscelino
Kubitscheck um vencedor, embora não tenha obtido a maioria absoluta – como
aliás, a maioria dos seus predecessores.
Apesar da famosa
frase de Carlos Lacerda "ele não será candidato; se for, não vencerá as
eleições; se vencer, não tomará posse; se tomar posse não governará",
Juscelino é candidato, vence as eleições, toma posse (somente graças a um
contra-golpe preventivo do general Teixeira Lott, ministro do Exército) e ainda
se torna o primeiro civil a cumprir um mandato integral de presidente na
história do Brasil. Apesar de ter enfrentado sérios movimentos militares que
visavam derrubá-lo.
Embora consiga
alguns apoios isolados aqui e ali, a mídia continua ostensivamente
oposicionista. Juscelino constrói uma imagem de seriedade, respeitabilidade,
bom senso e simpatia apesar dos jornais. Neles, aparecia o corrupto, o
populista, o "presidente bossa-nova", como na canção de Juca Chaves.
Escolha populista
Tantos fracassos
sucessivos levam a grande mídia conservadora a buscar um candidato mais
condizente com o perfil populista dominante na política. Encontra Jânio da
Silva Quadros que iniciou uma carreira política em São Paulo como candidato a
vereador sem se eleger, mas depois que assume como suplente segue uma carreira
meteórica. É eleito prefeito de São Paulo e governador de São Paulo com
votações sempre consagradoras. E o apoio dos jornais e da mídia.
Desta vez quem
comparece com um candidato militar é a coligação situacionista. Legalista e
tornado conhecido e popular por liderar o contra-golpe que permitiu a posse de
Juscelino, o marechal Teixeira Lott polariza a disputa presidencial com Jânio
Quadros. Pela primeira vez, um candidato apoiado pela UDN, pela mídia e pelos
conservadores assume o poder. Histriônico, Jânio tenta governar sem apoio no
Congresso e ainda desejando desvencilhar-se do grupo udenista que o apoiou.
Permaneceu sete meses no governo até renunciar. João Goulart, que já fora
vice-presidente de Juscelino, embora fosse lançado e apoiado pela coligação que
apoiava Lott venceu as eleições para vice-presidente (a constituição de 1946
previa eleições distintas para presidente e vice).
Em missão na China
quando da renúncia, Goulart só viria a assumir o poder depois de dias de
negociações. Embora a Constituição fosse clara, o veto militar era poderoso e
categórico. Foi preciso uma habilidade de Tancredo Neves para mudar a
Constituição, instaurar um regime parlamentarista para que Goulart pudesse
assumir a Presidência da República sem tomar o poder. Foi o que se sucedeu. Com
crises sucessivas e trocas freqüentes de gabinete, o governo Goulart, sofreu
sobretudo com sua base de apoio que permanentemente pressionava-o a avançar.
Goulart consegue antecipar o plebiscito que lhe restaura os poderes
presidencialistas, mas a votação espetacular deveu-se muito mais ao fato de que
sua sucessão prometia embates entre os grandes nomes da época. Nas eleições de
1965, cada partido se apresentaria com seu verdadeiro porta-voz. A UDN com
Carlos Lacerda, o PSD novamente com Juscelino e o PTB com Leonel Brizola.
Mas as pressões
foram tantas que Goulart governava como que respondendo aos impasses da
conjuntura. Chega a solicitar o Estado de Sítio em setembro de 1963, mas não
consegue apoio do Congresso. Em 1964 conduz o governo rumo às chamadas
"reformas de base". Apesar de um vigoroso comício em 13 de março de
1964 – com transmissão ao vivo para São Paulo e Rio de Janeiro, Goulart consegue
mobilizar sua oposição que também sai às ruas em marchas com enormes multidões.
Seu governo não
resiste ao mês de março. Tropas começam a marchar rumo ao Rio de Janeiro a
partir de 31 de março e, em primeiro de abril, embora ainda estivesse em
território brasileiro, o presidente da Câmara declara vaga a presidência da
República.
Nos anos
imediatamente subseqüentes a 1964, boa parte daquela mídia que infernizou os
governantes de então foi fechando as portas. Mas a mídia que sobrevive
finalmente se encontra com o poder.
Na democracia, a
mídia perdeu todas. Acreditou que finalmente tomaria o poder na ditadura. Em
parte, foi bem sucedida. O que veio depois constitui-se em outra fase de nossa
história. Seja na política, seja na configuração e constituição do que podemos
chamar de sistema midiático.
***
Jornalista, professor da Universidade Federal do
Espírito Santo, autor de Democracia de Massas: jornalismo e cidadania,
diretor administrativo da SBPJor.
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