MD-37 - ‘Posição’:
‘Um jornal que depende do leitor’
Por Siumara de Freitas Gonçalves, Ylana Alicio
Mesquita dos Santos e Roberto Teixeira em
27/05/2014 na edição nº 800
Trabalho
apresentado ao GT-03 – História da Mídia Impressa, 3º Encontro de História da
Mídia da Região Sudeste
Quando recebemos o desafio de escrever
nosso primeiro artigo científico analisamos o cenário brasileiro atual que nos
levou o tema abordado neste artigo. O ano de 2014 marca os 50 anos do início da
ditadura militar no Brasil. Imaginamos como seriam os jornais impressos desse
período sombrio da história que sufocou a imprensa.
Inicialmente aceitamos a sugestão de falar
sobre um dos jornais mais importantes do Espírito Santo, o jornal Folha
Capixaba, que trazia em suas páginas o ideal
comunista. Lemos um pouco sobre ele e decidimos conhecer mais sobre outros
jornais capixabas. Nessa leitura complementar nos deparamos com o jornal Posição,
nos apaixonamos por sua história e pelo modo como se relacionava com a
comunidade a sua volta.
Esse jornal serviu como um termômetro em
sua época. Porém, com a entrada de novos integrantes na editoria do Posição, os
seus ideais de mídia alternativa e comunitária se deterioraram. Este artigo
busca, também, trazer uma visão panorâmica do contexto socioeconômico
brasileiro e capixaba no período de 1970 a 1980, a partir de pesquisas em
livros, revistas, artigos, sites e blogs que falam sobre mídia alternativa e
comunitária, ditadura militar, golpe de 1964, Espirito Santo e jornalismo
imparcial.
A Ditadura Militar e a Liberdade de
Expressão (1970-1980)
Os anos de 1970 representaram para o
Brasil um período de transformação. O Brasil encontrava-se sob o domínio dos
militares que promoveram supressão da liberdade e dos direitos civis. Em
dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, é decretado o
AI-5 (Ato Institucional nº 5), e com ele a censura à imprensa nacional. Com o
AI-5, o regime militar ampliou o controle sobre os veículos de comunicação.
O regime militar faria a imprensa brasileira
viver tempos sombrios de censura e repressão política. Inúmeros veículos de
comunicação não sobreviveram a esse período, o que culminou o surgimento da
imprensa alternativa.
O general Arthur da Costa e Silva foi o
segundo presidente do movimento militar que derrubou o presidente João Goulart,
apoiado por lideranças civis e religiosas. O primeiro presidente deste período
foi Castelo Branco que ficaria no poder até 1967. Em 1969, quem assumiu o poder
foi Emílio Garrastazu Médici que durante o seu governo, a ação dos instrumentos
de repressão e tortura instalada atingiu o seu apogeu.
No ano de 1974, o general Ernesto Geisel
assumiu o governo e se dedicou a abertura política, mesmo enfrentando forte
oposição dos militares radicais. O jornalista Vladimir Herzog foi encontrado
morto perto das dependências do 2º Exército, em São Paulo, em 25 de outubro de
1975. O comando do Departamento de Operações de Informações e Centro de
Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão do exército responsável pela repressão
politica, divulgou nota oficial onde informava que o jornalista havia cometido
suicídio em sua cela da prisão. Os movimentos sociais de resistência à ditadura
militar refutaram a versão oficial.
Em 31 de dezembro do mesmo ano, Geisel
revogou o AI-5, o que representou um grande avanço no processo de
redemocratização do Brasil. Em 1979 o general João Figueiredo se tornava o novo
presidente, sendo que ele o último dos presidentes militares. Figueiredo
reafirmava o projeto de abertura política iniciado no governo anterior e, em
agosto do mesmo ano da sua posse foi aprovada a Lei de Anistia. Ainda em 1979,
o governo aprova a lei que restabeleceria o pluripartidarismo no país.
Em janeiro de 1985 Tancredo Neves ganha as
eleições indiretas para a presidência da República, mas antes de assumir o
cargo, falece. Assume então o vice-presidente José Sarney, e em 1988, o país
ganha uma nova Constituição, apagando assim os últimos vestígios da ditadura
militar. Os veículos de comunicação reassumem seu papel tendo assegurado pela
Constituição no Título II, intitulado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”:
IV – é livre a manifestação do pensamento,
sendo vedado o anonimato;
IX- é livre a expressão de atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou
licença;
X – são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XLI – a lei punirá qualquer discriminação
atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (BRASIL, Constituição,
1988).
Contexto socioeconômico capixaba
(1960-1970)
No início da década de 1970, o Espírito
Santo encontrava-se sob o comando do governador Artur Carlos Gerhardt Santos,
eleito pela Assembleia Legislativa por indicação do então presidente da
República Emílio Garrastazu Médici. Gerhardt promoveria em seu governo, a
mudança da economia capixaba que passou da cultura agrícola para a de
exportação:
“A partir da década de 70, a economia local sofreu uma verdadeira
revolução. A atividade industrial passou a ter uma importância na formação de
nosso PIB próxima do percentual que têm as economias mais desenvolvidas. E esta
mudança deu-se basicamente em atividades voltadas para a exportação” (GERHARDT,
1996).
O Espírito Santo entrava em um período de
reestruturação econômica, apoiado pelo jornal A
Gazeta. A industrialização ganha espaço no
cenário capixaba. Aumenta a importância da Federação das Indústrias do Espírito
Santo (Findes). Resgatando o discurso usado por Jones dos Santos Neves, no
início dos anos 1950, Gerhardt defendia a tese de que estado precisava se
industrializar para sobreviver.
Enquanto o desenvolvimento urbano se
ampliava, e com ele os portos e grandes empresas, o êxodo rural aumentava as desigualdades
sociais e geográficas no estado. É neste contexto que surgem os jornais
alternativos, se contrapondo ao fato de que as grandes empresas de comunicação
eram ligadas a grupos políticos e econômicos, quando não sucumbiam à mordaça da
censura do DOI-Codi.
A imprensa alternativa cresceu muito nesse
período com a proposta de fazer o jornalismo que a ditadura ou os grupos
político-econômicos barravam, mas, também, de ser uma experiência democrática
de produção jornalística e enfrentamento ao governo militar vigente, discutindo
questões que não eram tratadas nos grandes veículos e retratando a época com
outro(s) olhar(es) (TRINDADE, 2005, p. 230).
A Comunicação Comunitária e Alternativa
na Década de 1970
A comunicação, na esfera das comunidades,
consegue atingir de maneira mais intensa o seu público em relação à que é
voltada as massas. O pressuposto é o de que a comunicação comunitária conhece
as necessidades do povo que absorve a informação se tornando capaz de melhor,
absorver com amplitude as opiniões e anseios da comunidade. Segundo Rodolpho
Raphael de Oliveira Santos, “a comunicação comunitária é a comunicação da e
para as comunidades, para grupos geralmente excluídos diretamente da
midiatização pelos meios de comunicação de massa tidos como convencionais
(rádios, TVs, portais, jornais e revistas)”.
Cecília Peruzzo (2004) vê a comunicação
comunitária como o resultado de um processo realizado na própria dinâmica dos
movimentos populares, de acordo com as suas necessidades. Sendo assim, uma de
suas características essenciais é a participação voltada para a mudança social.
Ela ainda afirma que outros autores têm chamado a comunicação popular ou
comunitária de alternativa. Os conceitos de imprensa se modificaram ao longo
dos anos:
“Alguns autores têm chamado a comunicação popular de alternativa –
além de muitos outros adjetivos que lhe são atribuídos, como comunitária,
participativa, dialógica, horizontal, usados geralmente como sinônimos.
Contudo, na bibliografia corrente, se faz uma distinção entre os termos popular
e alternativo. No Brasil, a expressão ‘imprensa alternativa’ tem recebido
conotação específica, entendendo-se por ela não o jornalismo popular, de
circulação restrita, mas os periódicos que se tornaram uma opção de leitura
crítica em relação à grande imprensa” (PERUZZO, 2004, p. 120).
A comunicação alternativa no período da
ditadura militar deu voz não apenas à oposição do governo como também aos
princípios e modelos que a sociedade guardava, por isso ela também pode ser
classificada como comunicação comunitária, já que defendia um ideal coletivo.
Regina Festa (2004), diz que a imprensa alternativa cumpriu com o seu papel
social em defesa dos interesses nacionais e populares além de opor-se ao regime
vigente no país.
“A imprensa alternativa foi a expressão da média burguesia, dos
trabalhadores e da pequena burguesia, defendeu interesses nacionais e populares
[...]. Fez mais que opor-se à forma política – ditadura militar – assumida pelo
regime: opôs-se ao conteúdo antinacional e antipopular, opôs-se à monopolização
da economia, à sua integração com grandes trustes financeiros internacionais”
(PERUZZO, 2004, p. 121).
A comunicação em defesa de um ideal,
segundo Cecília Peruzzo (2004) se tornou uma manifestação através da qual as
pessoas puderam despertar o desejo de uma vida melhor e lutar por seus anseios.
“Determinadas manifestações em defesa da vida adquirem dimensões
significativas em nossos dias. Isto pode ser encarado como um despertar de
pessoas, de camadas sociais e de povos inteiros para a busca de condições de
vida mais dignas, pautadas pelo desejo de interferir no processo histórico, sua
vontade de posicionar-se como sujeitos e seu anseio de realizar-se como espécie
humana” (PERUZZO, 2004, p. 25).
A censura posicionava-se como indutora a
um pensamento único onde todos deveriam seguir os moldes impostos pelo governo,
sobretudo não confrontar o que por ele era determinado. O governo mantinha o
controle dos veículos de comunicação de massa o que proporcionava o domínio
sobre a população. A introdução de jornais de pequena tiragem através da
imprensa alternativa, neste período, representou a abertura de novos canais de
comunicação, além de dar voz ao povo. Sobre o surgimento desta imprensa no país
Cecilia Peruzzo (2004, p. 114), explica:
“Numa conjuntura em que vinha à tona a insatisfação decorrente das
precárias condições de existência de uma grande maioria e das restrições à
liberdade de expressão pelos meios massivos, criaram-se instrumentos
‘alternativos’ dos setores populares, não sujeitos ao controle governamental ou
empresarial direto.”
A imprensa de pequena circulação desse
período pode ser associada a uma forma de comunicação comunitária como
apresenta Peruzzo (2004, p. 115):
“Era uma comunicação vinculada à prática de movimentos coletivos,
retratando momentos de um processo democrático inerente aos tipos, às formas e
aos conteúdos dos veículos, diferentes daqueles de estrutura então dominante,
da chamada ‘grande imprensa’. Nesse patamar, a ‘nova’ comunicação representou
um grito, antes sufocado, de denúncia e reivindicação por transformação,
exteriorizado sobre tudo em pequenos jornais, boletins, alto-falantes, teatro,
folhetos, volantes, vídeos, audiovisuais, faixas, cartazes, pôsteres, cartilhas
etc.”
O domínio da comunicação comunitária e
alternativa na década de 1970, período de circulação do jornal Posição,
é descrito por Margarida Maria K. Kunsk e Francisco M. Fernandes (1989, p.74)
como “o império do popular e do alternativo como forma de se fazer frente à
dominação, reforçando assim a oposição entre o massivo e o popular”.
Posição: “Um
Jornal que Depende do Leitor”
A formação do grupo que comporia o jornal Posição originou-se
da demissão de Robson Moreira e Jô Amado pós uma matéria publicada no jornal A
Tribuna sobre despejo de corpos num
local chamado Cantinho do Sossego, na Serra. Quando a edição chegou às bancas
causou escândalo e o então governador Elcio Alves ligando para a direção
requisitou a demissão de todos os envolvidos.
O jornalista Jô Amado, que havia voltado
do exílio, já tinha uma ideia avançada sobre o jornal, os seus planos incluíam
futuros sócios. Além disso, o jornalista sabia o formato que o jornal tomaria,
ou seja, o de imprensa alternativa, um impresso que misturasse curiosidade e
vontade.
Os colaboradores, que em sua maioria
seriam voluntários, consistiam em profissionais do jornalismo que se impunham
contra o regime militar. Posição era
financiado pela venda porta a porta, venda de exemplares em bancas, assinaturas
e anúncios. Os principais consumidores do veículo eram estudantes
universitários, intelectuais e lideranças políticas.
O jornal, que foi fundado por Robson
Monteiro e Jô Amado em 1977, chegou a figurar como um grande jornal alternativo
estadual, tornando-se referência para os capixabas. Foram publicadas 65
tiragens e 12 mil exemplares sendo a circulação quinzenal, tiragem que se
rivalizava com a de A
Gazeta, A Tribuna e O
Diário.
O primeiro número foi publicado em 29 de
outubro de 1976 com o título “A imprensa independente é a única alternativa”.
Sua pretensão era ser um jornal diferente dos demais veículos da época que eram
amordaçados pela ditadura. No seu editorial havia a frase: “Um Jornal que
Depende do Leitor”,o que caracterizava seu ideal como o próprio jornal diz em
seu texto de abertura:
“Será o Posição um jornal diferente? Sim. Porque é um
jornal de jornalista. E não de um industrial, de um empresário. [...] suas
notícias serão importantes porque serão as notícias do leitor. Este, no
momento, nos parece o método mais democrático de fazer jornal” (POSIÇÃO, 1ª
ed., 1976, p. 1).
Produzido com pautas que os tradicionais
jornais locais dispensavam, o Posição segundo
Ademar Possebom e Flávio Gonçalves (2006), “foi um bom termômetro do reinício
do enfrentamento da repressão militar no Espírito Santo.” E concluem
ressaltando seu papel como “experiência democrática de produção jornalística”.
A edição 48 trazia a manchete “As grades
só se abrirão pelas mãos do povo” e destaca na capa a frase de Sobral Pinto
“lugar de militar é no quartel”, mostra do enfrentamento ao governo pelo Posição.
O jornal se intitulava um jornal “independente, quinzenal e atrasado” sendo que
o jornal se dizia independente porque era essencialmente sustentado pelo leitor
que não tinha apoio do grande empresariado.
Inicialmente o jornal era impresso em Belo
Horizonte, passando em seguida para uma gráfica em Juiz de Fora. Da impressora,
os jornais eram levados para a rodoviária na tentativa de diminuir os custos e
driblar a censura da ditadura militar, o que fazia com que o jornal fosse classificado
como “atrasado”, tanto por ser feito em outro estado como porque tinha um prazo
maior para a apuração das pautas.
Posição falava
do povo e para o povo, ressaltando a força dos movimentos em suas páginas, isto
resultava na inviabilidade de atração de anunciantes. Seu objetivo era contar o
que não era dito pela imprensa de massa devido à censura e falar dos movimentos
sociais. Robson Monteiro afirma esse discernimento quanto ao perfil do jornal:
“A proposta era encontrar um
jeito de incluir os movimentos sociais nos meios de comunicação, para eles
serem os personagens. Participávamos de tudo o quanto era reunião de
comunidade, de comitês, lavradores e todos nos respeitavam, porque contávamos
as histórias deles” (POSSEBOM, 2006, P.118).
Sobre o jornal Posição, Peruzzo
(2006, p.120) fala da sua condição de imprensa alternativa:
“No Brasil, a expressão ‘imprensa alternativa’ tem recebido
conotação específica, entretanto por ela não o jornalismo popular, de
circulação restrita, mas os periódicos que se tornaram editorialmente
enquadrada nas regras da censura impostas pela ditadura militar, mas
confortavelmente assentada na condição de monopólio informativo. [...] Eram
publicações de caráter cultural, político e expressavam interesses da media
burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia. Eram espaços nos quais nos
grupos de oposição em frentes politicas emitiam uma corajosa condenação ao
regime político. São exemplos dessa época, entre outros veículos: Posição, Movimento,
Pasquim, Coojornal, Versus, Extra.”
E continua: “Não há consenso quanto a uma
tipologia da imprensa alternativa. Uns entendem por ela só os jornais que
tiveram origem especificamente essa variante, como Movimento e
Posição” (PERUZZO, 2006, p. 122).
O jornal buscava dialogar com o leitor de
modo a levá-lo a refletir sobre o contexto socioeconômico vivenciado. Uma das
características do Posição era
a mistura de humor e agressividade política através das charges que publicava
em suas páginas, além dos títulos provocativos das matérias. Exemplos desse
viés podem ser encontrados na edição 46 cuja manchete da capa era: “Dá-lhe,
povo! Basta de arbítrio! Basta de ditadura! É hora de botar para rachar!” E na
edição 43: “Figueiredo no Espirito Santo fedeu”.
O jornal de número 40 trouxe a charge de
um militar sem camisa, com aspectos de um ogro, segurando, em uma das mãos, uma
palmatória escorrendo sangue enquanto na outra segurava o pescoço de um homem
franzino, com aspectos de um mendigo, chamado por ele de “meliante”. Ao mesmo
tempo, o militar conversava com um médico que tinha em mãos um bloco de papel e
caneta. O título da charge era: “Não o matem, eu confesso”. O militar dizia:
“Esse perigoso meliante confessou friamente que foi o autor do roubo; se o
senhor quiser, midê mais 5 minutos e ele confessa que matou Claudia Lessim,
Aracelli e Dana de Teffé”.
Sobre o caráter das publicações o
jornalista Tinoco dos Anjos explica: “O Posição era
um jornal de esquerda que denunciava, criticava e fazia oposição àquela
situação política do país. Batia nisso com força” (TRINDADE, p. 234). Monteiro
complementa: “Uma das funções doPosição era
incomodar esses grupos, na medida em que tinham coisas que seriam publicadas
pelos jornais tradicionais, e não eram” (POSSEBOM, p. 123).
A edição número 14 do jornal Posição foi
confiscada ilegalmente e censurada pela polícia. o jornalista Robson Monteiro
foi preso e interrogado sobre a publicação. Todo o material do jornal foi
apreendido. Como represália à ação, o jornal foi refeito e a publicação
seguinte saiu às vésperas do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa com a
manchete: “O material para esta edição foi apreendido pela polícia mineira”.
O período de 1977 e 1978 foi caracterizado
pela formação do conselho editorial, que distinguiu o Posição dos
demais jornais da época. O conselho era diversificado e constituído por
integrantes da sociedade civil, estudantes, jornalistas e sindicalistas, como
explica Moreira:
“Esse conselho era bastante
diversificado e qualquer um podia participar, desde que frequentasse as reuniões.
As pessoas que o constituíam nem sempre eram jornalistas; havia também, e
principalmente, pessoas da comunidade, da universidade, de movimentos,
sindicatos, isto é, pessoas que tinham suas respectivas militâncias, mas que,
naquele momento, participavam das discussões e edições do jornal” (POSSEBOM,
2006, p. 233).
O jornal passaria a ter como matéria prima
de suas edições os movimentos populares da periferia, tratando dos problemas e
da falta de estrutura dos bairros carentes.
A inserção de profissionais de outras
áreas para desenvolver conteúdos no jornal era resultado da proposta de
inclusão dos movimentos sociais nos meios de comunicação, para que eles se
tornassem parte da história. Para Moreira, a sociedade não era feita somente
por jornalistas, e se as pessoas se sentissem presentes nas edições, isso daria
essência ao jornal.
O jornal procurava, assim, seguir os
preceitos que, aos mais tarde, viriam constar do atual Código de Ética dos
Jornalistas Brasileiros diz no Capítulo I – Do direito a informação, Art. 2º,
I: “a divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de
comunicação e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus
proprietários e/ou diretores ou da natureza econômica de suas empresas” (FENAJ,
2007).
Em 1978, o AI-5 é revogado pelo Congresso,
ato sancionado pelo presidente Geisel, o que abria caminho para o processo de
abertura política que o Brasil viveria a partir daquele momento. O processo se
consolida com o retorno do pluripartidarismo, reduzindo a censura sobre as
mídias tradicionais e provocando, em consequência, a diminuição dos espaços de
atuação da imprensa alternativa.
Em maio de 1979 o Posição passaria
por uma mudança drástica tanto em sua estrutura organizacional como na sua
linha editorial. Sobre essa mudança, Machado explica: “Quando já estava
praticamente consolidado o processo de abertura, a sensação que passamos a ter
era de que a imprensa alternativa tinha perdido um pouco do que a motivava.”
Várias pessoas que estavam envolvidas na
imprensa alternativa passam a atuar nos partidos políticos. O jornal perde
força com a diminuição da censura sobre os jornais tradicionais e passa a
defender a linha política de um partido deixando de ser alternativo e popular.
O Posição passou
a ter edições semanais, quebrando com o propósito inicial de não ter limitação
de tempo e alinhamento partidário. A linguagem deixa de ser simples, do povo e
para o povo e passa a ter uma linha partidária e um estilo voltado para a
massa. O jornal perde e foco. Antes contava as histórias do povo e analisava o
contexto em que o estado e o país se encontravam. Agora passa atender
principalmente aos intenresses de um partido político, como a edição de número
47 que tem como manchete: “A ditadura tremeu!” e “O preço da derrota no Espírito
Santo”.
Segundo Namy Chequer, o jornal adotou uma
linha editorial que pretendia atrair investidores: “O jornal adotou um estilo
irônico e mordaz, uma linha com mais humor e uma dose, não exagerada, de
sensacionalismo. Mais para chamar a atenção do leitor e atrair vendas”
(TRINDADE, 2005, p. 236).
A direção do jornal foi assumida por
Luzimar Nogueira Dias, jornalista e militante do PCdoB (Partido Comunista do
Brasil), levando oPosição a dar maior ênfase a temas
internacionais, discussões sobre o comunismo no mundo e questões
político-partidárias. Antes deste momento, o Posição era
um jornal livre, sem obedecer a condicionantes político-partidários.
Dentro do próprio jornal surgiram brigas
internas sobre o novo modelo editorial que se contrapunham às raízes do Posição.
Alguns jornalistas abandonaram o corpo editorial e a equipe começa a diminuir.
Para diminuir os custos, a circulação e a quantidade de páginas diminuem. O
jornal perde expressão, abandonando o posicionamento diferenciado que mantinha
até então.
Considerações finais
A imprensa espíritossantense, assim como a
de todo o país, esteve amordaçada durante a ditadura militar, e o jornal Posição deu
voz ao que os jornais de massa, que sofriam maior repressão ou tinham ligações
políticas fortíssimas, não poderiam divulgar. O surgimento do jornal Posição no
cenário capixaba na década de 1970 possibilitou à população ter acesso a
informações que não eram divulgadas pela imprensa tradicional.
O jornal marcou presença no período mais
obscuro da história da imprensa nacional. Empenhado em levar ao povo notícias
que eram censuradas pelo governo, o Posição se
consolidou como um veículo da imprensa alternativa. O jornal ouviu e dialogou
com a população, o que conferia a ele o caráter comunitário que, aliado à sua
resistência à censura imposta pelos militares, tornou o jornal um veículo de
oposição ao governo e a favor da cidadania.
O Posição,
que figurou entre os principais veículos de comunicação impressa do estado,
atualmente pode ser encontrado apenas no acervo da Biblioteca Estadual. Como
jornal impresso, o Posição pode
ser classificado como um veículo alternativo, já que era o único, no Espírito
Santo, a divulgar o que a ditadura tentava esconder, e comunitário (social),
pois levava em consideração as reivindicações da população, seus interesses e
anseios.
Essas características fizeram de um jornal
idealizado por dois jornalistas se tornar um veiculo importante na sociedade
capixaba. Ele se especializou em destacas nas suas manchetes os aspectos
sociais, em alguns momentos de forma humorística e chamadas irônicas. Mesmo não
tendo uma grande circulação, ele despertava a atenção da censura por repercutir
a realidade social.
Os primeiros sinais do seu fim do Posição
surgiram com a revogação do AI-5 e a diminuição da censura sobre os veículos de
comunicação de massa. As mudanças adotadas pelo jornal em 1979 aceleraram o seu
fechamento. A falta de investimentos foi apenas uma das tantas outras causas
que o levaram ao fim do jornal. O Posição que
havia se tornado um jornal de integração comunitária defendendo os interesses
sociais da população, passou a ser, na última fase da sua existência, um
veículo de difusão de ideias político-partidárias.
O jornal, que se caracterizava por
defender o povo, com a entrada do PC do B na direção, perdeu o foco inicial da
sua trajetória, pois deixava que um único partido político comandasse a sua
linha editorial. Passou a trabalhar para gerar vendas e anunciantes, e novos
filiados ao partido ao invés de lutar pelos interesses comuns.
Este veículo, que passou pelo período mais
enfrentado pela imprensa e sobreviveu a ela, pouco tempo depois perdeu força e
acabou sucumbindo. Ele teve a oportunidade de demonstrar que a imprensa é a
principal ferramenta que sustenta a liberdade de expressão, ao garantir ao
cidadão o acesso a informação e o direito de ser informado.
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