Enrique Espinoza. Atlas
de Chile. Paris. (1897)
OCD 3 - Operação Condor:
O vôo mais longo da
repressão
Samantha Viz Quadrat
Multinacional
clandestina da perseguição política na década de 1970, para seus agentes não
existiam fronteiras. Sua missão era caçar, prender e muitas vezes matar os
inimigos dos governos militares da América do Sul, onde quer que estivessem -
Operação Condor
Na noite de 13 de julho de 1976, 15 policiais
comandados por um oficial uruguaio, o major José Nino Gavazzo, invadiram uma
casa da Rua Juana Azurduy, no bairro de Belgrano, em Buenos Aires. Dentro, Sara
Mendéz e sua amiga Asilu se preparavam para dormir. Sara, de 32 anos, trazia
nos braços seu filho, o bebê Simon, de apenas 20 dias. Foi levada com Asilu a
um centro clandestino de tortura, onde lhe tomaram a criança. Ela só voltaria a
ver Simon 25 anos depois.
Esta
e muitas outras histórias, igualmente dramáticas, fizeram a fama da chamada
Operação Condor, nascida no Chile com o objetivo de varrer do Cone Sul tudo o
que fosse considerado "subversivo" pelos militares então instalados
no poder, pelo uso da força, em vários países do continente, inclusive o
Brasil.
O coronel chileno Manuel
Contreras, chefe da DINA, a
polícia política do governo de Augusto Pinochet, tomou a iniciativa de convidar
os principais representantes do setor de informações dos países do Cone Sul
para uma reunião secreta, realizada em Santiago do Chile, entre os dias 25 de
novembro e 10 de dezembro de 1975. Foi o primeiro passo para a montagem do
aparato repressivo.
Os
acordos firmados nesse primeiro encontro visavam basicamente ao funcionamento
da operação, que aliás ainda não tinha nome. Foi batizada de "condor"
por sugestão do representante uruguaio. Figura simbólica do brasão chileno, o
condor é a maior ave de rapina da América do Sul, capaz de alcançar altas e
longas distâncias. O nome foi bastante apropriado. O vôo do condor, como
queriam os que batizaram a nova estratégia, não ficou restrito aos territórios
dos países membros da operação.
Nesse
primeiro momento o Brasil, então governado pelo general Ernesto Geisel, não
enviou nenhum representante à reunião secreta. Aparentemente havia resistência
do governo brasileiro a envolver- se na operação. Teria aceitado apenas
participar do intercâmbio de informações. A participação brasileira, contudo,
não foi tão restrita quanto se pensava.
Um
dos episódios de maior destaque, nesse período, ocorreu justamente em
território brasileiro. Em novembro de 1978 executou-se a chamada Operação Sapato
Velho - resultado de uma parceria entre o Departamento de Ordem Política e
Social (DOPS), de Porto Alegre, e oficiais do exército do Uruguai. O objetivo
era o seqüestro dos uruguaios Lilian Celiberti - junto com seus dois filhos
menores, Camilo e Francesca - e Universindo Rodríguez Díaz. Presos no Brasil,
Lilian e Universindo foram torturados e interrogados no DOPS de Porto Alegre.
As
crianças, entregues a uma avó. A salvação do casal se deve à imprensa
brasileira, no caso representada pelos jornalistas Luís Cláudio Cunha e João
Batista Scalco. Eles identificaram policiais envolvidos e denunciaram o
seqüestro.
Entre
as ações da Operação Condor fora da América do Sul figura o assassinato, num
atentado a bomba ocorrido no dia 21 de setembro de 1976, de Orlando Letelier,
ex-ministro de Salvador Allende e uma das principais lideranças de oposição à
ditadura de Pinochet no exterior. O caso chama especialmente atenção por ter
ocorrido na capital dos Estados Unidos, considerada um dos lugares mais seguros
do mundo, ao mesmo tempo em que sugere a conivência de agentes
norte-americanos.
Os
órgãos de inteligência norte-americanos tinham conhecimento de todas as
violações ocorridas nos países do Cone Sul sob ditaduras. Além disso, os
Estados Unidos despendiam vultosas verbas no treinamento de militares da
América Latina, tanto no seu território como na Escola das Américas, situada no
Panamá. Este centro de treinamento militar ficaria conhecido como "Escola
dos Assassinos", por haver acolhido e formado inúmeros militares que mais
tarde se envolveriam, nos respectivos países, em ações hediondas de violação de
direitos humanos.
O
longo vôo do condor alcançou também o Velho Mundo. Em 6 de outubro de 1975
Bernardo Leighton, ex-vice-presidente do Chile e alto dirigente do Partido
Democrata Cristão, sofreu um atentado a bala na capital italiana. Esta e outras
ações foram comandadas pelo norte-americano Michael Townley, um exinformante da
CIA que se tornou um seguidor fiel de Contreras, o chefe da DINA.
A
despeito de todas as vítimas que fez desde 1975 até o final das ditaduras nos
anos 80, a Operação Condor acabou se tornando, paradoxalmente, passado o tempo
das ditaduras sul-americanas, um dos principais trunfos na luta internacional
contra a impunidade. Alguns países, como França e Itália, têm julgado os crimes
cometidos contra seus cidadãos ou pessoas com dupla nacionalidade. Outros, como
a Espanha, têm-se utilizado da lei que garante que os crimes contra a
humanidade podem ser julgados em seus tribunais. E já que esses tribunais não
reconhecem as leis de anistia decretadas nos países da América do Sul depois da
chamada guerra suja, promovem-se hoje batalhas judiciais em vários países com o
objetivo de prender e punir os culpados, por mais longe que estejam.
Cronologia
Argentina
1973
~ Eleição de Juan Domingo Perón para o seu terceiro mandato presidencial
1974
~ Morte de Perón. Assume a Presidência da Republica sua esposa e
vice-presidenta Maria Estela Martinez Perón.
1974
- 1976 ~ Diversas ações armadas promovidas pela Triple A (Ação Anticomunista
Argentina) culminam com o assassinato de centenas de militantes.
1976
~ Em 24 de março, um golpe militar derruba Maria Estela do poder. Assume a
primeira Junta Militar presidida pelo general Jorge Rafael Videla.
1982
~ Lei de auto-anistia e de incineração de documentos.
1983
~ Primeira eleição presidencial pos-ditadura. É eleito Raul Alfonsin.
Brasil
1964
~ Em 31 de março um golpe militar derruba do governo João Goulart.
1968
~ Em 13 de dezembro e editado o Ato Institucional no. 5.
1974
~ Posse do presidente Ernesto Geisel que anuncia o inicio da abertura
"lenta, gradual e segura".
1979
~ Extinção do AI-5. O presidente João Figueiredo anuncia a anistia para
militantes e militares envolvidos com a repressão.
1985
~ Eleição indireta de Tancredo Neves para presidente da República. Com sua
morte, seu vice, José Sarney, assume a Presidência.
Chile
1970
~ Eleição do representante da Unidade Popular, Salvador Allende, para
presidente da República.
1973
~ Em 11 de setembro um golpe militar derruba do governo Salvador Allende.
Augusto Pinochet assume
a
Presidência da República.
1978
~ Lei de auto-anistia promulgada pelo general Pinochet beneficiando os
envolvidos com violações aos direitos humanos entre 11 de setembro de 1973 e
abril de 1978.
1988
~ Vitória do "não" no plebiscito sobre a prorrogação por mais oito
anos do governo de Pinochet.
1989
~ Fim do governo Pinochet. Eleição de Patricio Alwin para a Presidência da
República.
1998
~ Detenção de Augusto Pinochet em Londres após o pedido de extradição do juiz
espanhol, Baltazar Garzón.
Samantha
Viz Quadrat é doutoranda no Programa de
Pós-Graduação
em História da Universidade Federal Fluminense e
Coordenadora
do Núcleo de Estudos Contemporâneos desta mesma Universidade
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2004 - Nossa História
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