Rio
de Janeiro, 26/10/2009
Terça-feira, 01 de Julho
de 2014 | ISSN 1519-7670
- Ano 18 - nº 805
|
VOCABULÁRIO
POLÍTICO
MD-31
- A banalização da palavra “ditadura”
Por Mauro Malin em 29/12/2011 na edição
674
A
palavra é livre, felizmente, mas convém criar algum constrangimento para quem
manipula despudoradamente o termo “ditadura” ao sabor de propósitos
argumentativos, como se ele não tivesse um contexto semântico.
Em 26 de outubro, na página 3 da Folha
de S.Paulo, o advogado criminalista Nélio Machado
não se pejou de comparar a escuta telefônica usada pela Polícia Federal com a
tortura sob o regime militar. Não se sabe de onde tirou a ideia de que...
“No
passado, pela hediondez da tortura, repudiava-se a prova assim colhida, o que
não ocorre com a interceptação telefônica, apesar de ambas obterem a
autoincriminação por via oblíqua”.
Certamente
houve casos em que os juízes militares (crimes políticos, enquadrados na esfera
da “segurança nacional”, eram julgados em auditorias militares) repudiaram as
provas extorquidas sob tortura, mas foram exceção, não a regra. Caso hoje bem
conhecido é o de Dilma Rousseff, que a denunciou e não obstante foi condenada.
O
advogado não diz uma palavra sobre a tortura em delegacias policiais, que, 23
anos após a promulgação da Constituição Cidadã, ainda é “método de
investigação”.
No Estado
de S.Paulo de terça-feira (27/12), o
futuro presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, deu longa
entrevista em que se combinam ponderações a favor do “devido processo legal”,
que estaria ameaçado pelo empenho investigativodo Conselho Nacional de Justiça,
e o reconhecimento de que “alguns colegas receberam [vencimentos atrasados]
adiantado”. No título, Sartori “compara atos do CNJ aos da ditadura”.
Reação à “ditabranda”
São
dois exemplos recentes de um fenômeno amplamente disseminado. Durante muitos
anos, ocorreu o contrário: prevaleceu o temor de usar o nome verdadeiro.
Talvez a brincadeira impensada da Folha
de S.Paulo em fevereiro de 2009,
quando se referiu ao regime do golpe de 1964 como “ditabranda”, tenha deixado
alerta o público leitor (pequena parcela da sociedade) e estimulado alguns a
dizer e escrever “ditadura” – palavra que não entrava, por exemplo, nos textos
do Jornal Nacional,
quando referidos ao Brasil, e agora se tornou de uso corrente naquele
noticiário.
Mudar
o discurso conforme a direção dos ventos dominantes acontece em todos os países
e em todos os tempos. No Brasil, esse tipo de cinismo contribui para a
indistinção entre oposição e governo. No Império já se dizia: “Nada mais
parecido com um saquarema do que um luzia no poder”.
Já
que crimes cometidos por servidores públicos em nome da defesa do Estado não
foram nem serão punidos, é preciso lutar para que pelo menos determinado
vocabulário crítico, inspirado em valores morais e na defesa de direitos
básicos, não degringole nem se banalize.
Banalizado, não significará coisa
alguma, nem como referência histórica. Das gerações que foram oposição à
ditadura de 1964 – em atos, palavras ou pensamentos –, a mais jovem vai
chegando aos 50 anos de idade. Serão cada vez mais rarefeitas e suas vozes,
menos ouvidas.
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