Terça-feira, 01 de Julho de 2014 | ISSN
1519-7670 - Ano 18 - nº 805
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GOLPE
DE 1964
MD-33 - Zero Hora,
o golpe e a ditadura
Por Marco Aurélio Weissheimer em
03/04/2012 na edição 688
Reproduzido da Agência Carta Maior, 1/4/2012; título
original “Zero Hora, o golpe de 64 e a ditadura”, intertítulo do OI
Em sua edição de domingo (1/4), o jornal Zero
Hora publica um artigo intitulado “A dita dura brasileira”,
do coronel Sérgio Sparta, defendendo o golpe civil-militar de 1964. Na
pretensão de “equilibrar” o debate, o jornal publica também um artigo contra o
golpe, “Resgate ao passado“,
da psicóloga Luciana Knjinik.
O artigo do coronel Sparta é inqualificável, repetindo uma retórica da Guerra Fria que fede à naftalina, para dizer o mínimo. O Brasil estava ameaçado pelo marxismo-leninismo etc. Para defender a democracia e a liberdade de expressão, os militares e seus aliados civis acabaram com a democracia e a liberdade de expressão. Uma ofensa à lógica, à democracia e a inteligência alheia.
Zero Hora apresenta-se
como supostamente “neutra” neste debate, simplesmente publicando uma posição a
favor e outra contrária ao golpe. No dia do aniversário do golpe, o editorial
do jornal silencia sobre o tema. O veículo do Grupo RBS que supostamente
defende a democracia como um valor ainda acredita que o golpe de 64 e a ditadura
que se seguiu a ele é “tema de debate” que pode ser tratado na base de um texto
a favor e outro contra. Para ZH,
aparentemente, a condenação das torturas e assassinatos cometidos pelos agentes
da ditadura ainda é “tema de debate”.
ZH poderia
ter aproveitado a data para explicar por que apoiou o golpe de 1964 e a
ditadura, assim como fizeram vários outros grandes veículos da imprensa
brasileira que nunca deram satisfações à sociedade sobre sua postura golpista e
sobre os benefícios empresariais que obtiveram com ela.
Estilo editorial
Como é sabido, o jornal Zero
Hora ocupou o lugar da Última
Hora, fechado pela ditadura por apoiar o
governo constitucional de João Goulart. A certidão de batismo do jornal,
portanto, é marcada pelo desprezo à democracia e pela aliança com o
autoritarismo, o que fala muito sobre o ethos editorial
que a publicação viria a desenvolver.
Três dias depois da publicação do
famigerado Ato Institucional nº 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou
matéria sobre o assunto afirmando que “o governo federal vem recebendo a
solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”.
No
dia 1º de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado “A
preservação dos ideais”, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da
Revolução”. A última frase editorial fala por si: “Os interesses nacionais
devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”.
Os
interesses nacionais, no caso, se confundiam com os interesses privados dos
donos da empresa. A expansão da empresa se consolidou em 1970, quando foi
criada a sigla RBS, de Rede Brasil Sul, inspirada nas três letras das gigantes
estrangeiras de comunicação CBS, NBC e ABC. A partir das boas relações
estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a
Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus
negócios. O restante da história é bem conhecido.
O autoritarismo que marcou o surgimento
do jornal Zero Hora parece
estar vivo ainda hoje na postura editorial arrogante e covarde que vem se especializando
em terceirizar suas posições conservadores pela voz de terceiros. Ao invés de
publicar um artigo de um obscuro coronel defendendo o golpe e a ditadura, ZH deveria
assumir a responsabilidade pelos seus atos e por sua história. Seguindo o estilo
editorial que tanto aprecia poderia inclusive publicar um artigo a favor da
posição do jornal pró-ditadura e golpe de 1964 e um contra.
***
[Marco Aurélio Weissheimer é
editor-chefe da Agência Carta Maior]
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