MD-40
- Jornais vêm a público confessar apoio à ditadura
Por Bruno Marinoni em 08/04/2014 na
edição 793
Reproduzido do
Observatório do Direito à Comunicação, 1/4/2014
“Não há dúvida de que, aos olhos de
hoje, aquele apoio foi um erro”. Assim a Folha
de S.Paulo abre a semana em que se
completam os 50 anos do golpe que instalou uma brutal ditadura civil-militar no
Brasil: buscando justificativa para o seu apoio à repressão do Estado no que
considera uma posição pertinente às condições da época. O editorial do jornal,
publicado no dia 30 de março (domingo), segue linha parecida com a opinião doEstadão publicada
nos dias 28 e 31 e com o mea culpa feito pelo O
Globo no dia 31 de agosto do ano anterior.
No sumário título escolhido para o texto
“Editorial: 1964”, a Folha opta
por evitar qualquer posicionamento ou menção diante do fato histórico de que
apoiou a ditadura militar no Brasil. Se inicia a redação criticando “a
violência que a ditadura representou”, logo em seguida faz questão de
distribuir “a responsabilidade pela espiral de violência” entre os “dois
extremos” (direita e esquerda). Depois de compartilhar a responsabilidade da
violência entre carrascos e vítimas, chega ao centro do seu argumento: “Isso
não significa que todas as críticas à ditadura tenham fundamento”. A defesa
aberta da ditadura militar vem em seguida.
A Folha destaca
as “realizações” do regime, para negar a ideia de que teria sido um período de
“estagnação ou retrocesso”. Tece elogios ao crescimento econômico promovido
pela ditadura, à modernização, e “revela” o que seria o seu principal avanço
social: a queda da mortalidade infantil. Para concluir afirma que se tratou de
um período de “aprendizado” e que “é fácil, até pusilânime, porém, condenar
agora os responsáveis pelas opções daqueles tempos, exercidas em condições tão
mais adversas e angustiosas que as atuais. Agiram como lhes pareceu melhor ou
inevitável naquelas circunstâncias”.
O Estado
de S.Paulo conta que o seu diretor
Júlio Mesquita Filho foi um dos conspiradores do golpe, mas tenta expiar sua
culpa destacando o seu rompimento com a ditadura após o “desvio” que teria sido
a edição do AI-2. Busca justificar o “inevitável” apoio pelo temor de que o
presidente Jango, correligionário de Getúlio Vargas, instaurasse uma “república
sindicalista em aliança com os comunistas”.
O Globo admite
que as manifestações das ruas de 2013 arrancaram da empresa uma declaração
pública sobre a “verdade dura” de que o grupo de empresas da família apoiou a
ditadura. Reconhece explicitamente como erro o apoio prestado, afirmando que “a
democracia é um valor absoluto e, quando em risco, ela só pode ser salva por si
mesma”, embora se preocupe na maior parte do texto em salvar a imagem do
veículo e de Roberto Marinho que sempre teria estado “ao lado da legalidade” –
esquecendo que o golpe de Estado não coube nesse conceito.
Redução
de danos e interesses
“Com o objetivo de produzir novas
memórias sobre a ditadura civil-militar na ocasião dos 50 anos do golpe de
1964, a Folha insiste
em relativizar o próprio golpe”, critica Igor Sacramento, doutor pela Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECA/UFRJ) e um dos
organizadores do livro Jornalismo
e o golpe de 1964, ainda por ser lançado.
Sacramento se diz indignado com o
editorial da Folha no
qual o golpe “não é visto como um golpe de Estado conduzido pelos militares e
apoiado por diversos setores da sociedade civil, como pela maior parte das
empresas de comunicação, por exemplo, mas como meramente uma reação ao pretenso
avanço do comunismo na política nacional”. “Novamente, 50 anos depois, a
retórica do ‘perigo vermelho’ é retomada como justificativa para aquele golpe
de Estado”, explica.
Os interesses econômicos e comerciais,
além dos ideológicos, são considerados pelo pesquisador como pontos
fundamentais para entender o apoio das empresas de jornalismo à ditadura. “É
interessante observar que o grupo Folha, além dos benefícios do governo, também
recebeu um tratamento especial de empresas nacionais e multinacionais, no que
diz respeito à publicidade. Em 1965, aproveitando-se de mais duas oportunidades
oferecidas pelo golpe, o grupo adquiriu os jornais Última
Hora e Notícias
Populares”, afirma. Segundo ele, os jornais
teriam se beneficiado também com facilidades na compra de papel, matéria-prima
do setor.
A
memória da ditadura a associa hoje a algo negativo e a internet torna mais
difícil esconder algumas informações. Como ficou impossível negar o apoio
prestado no passado, as grandes empresas jornalísticas resolveram no
cinquentenário do golpe minimizar os danos e apresentar sua versão. Assim
explica Mônica Mourão, que em sua pesquisa de doutorado no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF) aborda o
trabalho de comunistas nas redações de jornal.
“A
seleção que esses veículos estão fazendo tenta minimizar os danos de suas
ligações com a ditadura”, explica Mourão, que também é militante do Intervozes.
Segundo ela, a tese de reação à radicalização não se sustenta. “Existiam vários
grupos de oposição à ditadura que não eram necessariamente ‘radicais’, como o
próprio PCB. Era impossível que alguém que trabalhasse no jornal não entendesse
que se tratava de um regime de exceção. Eles estão tentando esquecer o que é
desconfortável”, explica.
***
Bruno Marinoni, do Observatório do Direito à Comunicação
Quarta-feira, 02 de Julho de 2014 | ISSN
1519-7670 - Ano 18 - nº 805
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