MD-52
- Imprensa apoiou ditadura antes de ajudar a derrubá-la
OSCAR PILAGALLO Especial para a Folha
Com mais ou menos intensidade, a grande imprensa
brasileira apoiou o golpe de 64. Depois de um período de entusiasmo com o novo
governo, os jornais –uns cedo, outros tarde– passaram a criticar a ditadura e,
após duas décadas, nos estertores do regime, tiveram papel relevante na
redemocratização.
A unanimidade contra o presidente João Goulart foi
construída ao longo de seu governo, à medida que cresciam o radicalismo e a
aproximação com setores da esquerda. Em setembro de 1961, no conturbado
episódio de sua posse, que marcou o início da articulação golpista, a imprensa
estava dividida.
Vários jornais se declararam contra o veto militar
ao vice de Jânio, que renunciara. Os Diários Associados, com jornais espalhados
pelo país, posicionaram-se a favor da posse. No Rio, os dois principais
veículos, "Correio da Manhã" e "Jornal do Brasil", também
defenderam a legalidade. Foi essa também a linha editorial da Folha.
Dois jornais advogaram que Jango não assumisse:
"O Globo", no Rio, e "O Estado de S. Paulo", este com o
agravante de não aceitar nem ao menos a solução parlamentarista, costurada para
contornar o impasse.
Mesmo os veículos que haviam defendido a posse de
Jango, no entanto, passaram a criticar seu governo.
No final de 1963/início de 1964, os jornais haviam
convergido para uma oposição que endossava a tese da deposição do presidente. A
justificativa era que ele próprio estaria caminhando para um golpe de esquerda
ou armando uma manobra continuísta.
Estabelecido o viés geral, a variável ficou por
conta do grau de envolvimento de cada veículo. Alguns tiveram papel periférico,
como a Folha, com limitado peso
editorial na época, e o "Jornal do Brasil", o último dos grandes
jornais a romper com Jango.
Outros, como o "Estado" e a cadeia Diários
Associados, foram protagonistas do golpe, devido ao envolvimento de seus
dirigentes com os conspiradores.
Só um jornal esteve ao lado de Jango: a
"Última Hora". Criado pelo repórter Samuel Wainer no início dos anos
50, a pedido de Vargas e com apoio financeiro do governo, o jornal, dirigido a
operários e à classe média baixa, defendeu até o fim a herança política de seu
padrinho.
A partir de abril de 1964, a mídia e os militares
tiveram um período de lua de mel, que não foi interrompido mesmo quando ficou
claro que a ditadura não seria tão breve quanto fora previsto.
O primeiro a enfrentar o regime foi o "Correio
da Manhã". Ainda em 1964, o jornal, que publicara dois violentos
editoriais defendendo a saída de Jango enquanto o golpe estava em andamento, denunciou
torturas numa série de reportagens. Foi o começo do fim do jornal, que fechou
em 1974.
O restante da imprensa, apesar de ressalvas
pontuais contra abusos de poder e cassações, continuou apoiando a ditadura,
sobretudo em sua diretriz econômica liberal.
A reação à censura, entre fins dos anos 60 e meados
dos anos 70, se revelou um divisor de águas. Alguns jornais, como a Folha, acatavam as orientações
dos censores, comunicadas por telex ou telefone, praticando a autocensura.
Outros, como o "Estado", desafiavam as ordens, o que exigia a
presença de censores na Redação, para impedir que o material vetado fosse
publicado. O jornal denunciava a censura editando trechos de poesias no espaço
aberto pela ação da censura.
Um dos episódios mais polêmicos da relação entre
mídia e ditadura foi a guinada editorial da "Folha da Tarde", da
mesma empresa que edita a Folha.
A partir de 1969, durante a fase mais dura do regime, a "Folha da
Tarde" –até então comandada por jornalistas ligados à esquerda armada– foi
entregue a profissionais associados à polícia e chegou a cooperar com as forças
da repressão, endossando versões dos órgãos de segurança para esconder torturas
e assassinatos de presos políticos.
A empresa Folha da Manhã foi também acusada de
emprestar veículos para órgãos da repressão. Se isso ocorreu, não é possível
dizer que a prática foi autorizada pela direção da empresa.
Em meados dos 70, a Folha acreditou
no projeto de abertura e fez uma reforma editorial que deu voz à sociedade
civil, franqueando suas páginas a intelectuais de oposição.
Em fins de 1983,
foi o primeiro jornal a encampar a embrionária campanha pelas Diretas Já, que,
embora não tenha passado no Congresso Nacional, contribuiu para o fim da
ditadura.
Quinta-feira, 26 de Junho de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 804
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