MD-51
- A cultura, da resistência ao showbiz
MARCOS AUGUSTO
GONÇALVES Colunista da Folha
Em dezembro de 1964, oito meses depois da queda do
presidente João Goulart, estreou no Rio de Janeiro o musical
"Opinião".
Dirigido por Augusto Boal, o espetáculo era
assinado por Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa e Paulo Pontes. Levava ao
palco Zé Keti, João do Vale e Nara Leão para protestar contra a ditadura que se
instalava.
O "Opinião" era um típico produto da
esquerda cultural da época, que orbitava em torno do Partido Comunista e, antes
de 1964, animara-se com a perspectiva de consolidação de um regime
"nacional-popular" no país. Combatia o imperialismo norte-americano e
valorizava o que seria a "autêntica" cultura popular brasileira.
Nos anos que antecederam o golpe, artistas dessa
vertente reuniram-se no Centro Popular de Cultura, ligado à União Nacional dos
Estudantes, para investir num tipo de produção politizada e didática, voltada
para a "conscientização" da sociedade, em especial das classes
trabalhadoras.
Derrotada pelo golpe, a esquerda cultural
ritualizava no espetáculo a "resistência" ao regime militar e
encenava –ao reunir dois compositores de origem popular e uma cantora da zona
sul carioca– uma sugestiva aliança entre o artista de classe média e o
"povo".
Este, entretanto, não compareceu. O teatro, situado
no então moderno shopping center da rua Siqueira Campos, em Copacabana, recebia
um público esclarecido –e já convertido– de intelectuais, artistas e
estudantes. O mesmo perfil de classe média radicalizada que, pouco depois,
apareceria nos festivais de canção popular e na famosa "Passeata dos Cem
Mil", em 1968.
A relativa hegemonia do projeto "nacional-popular"
não tardaria, porém, a ser problematizada por um novo "movimento"
–que ganharia o nome de tropicalismo. As canções de Caetano Veloso e Gilberto
Gil, a instalação "Tropicália", de Hélio Oiticica, o filme
"Terra em Transe", de Glauber Rocha, e a montagem de "O Rei da
Vela", de Oswald de Andrade, pelo Teatro Oficina, representavam a
emergência de um outro modelo de sensibilidade.
De maneira alegórica, estridente, anárquica, essas
obras captavam as mudanças em curso no país: a crise do populismo, a impotência
do intelectual militante, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e
os disparates de uma sociedade que se debatia entre o arcaico e o moderno.
No final de 1968, o regime militar editou o Ato
Institucional nº 5 e inaugurou um período sombrio de repressão e perseguições.
Em tempos de "milagre econômico", o país
entrou na era das comunicações por satélite e ganhou uma rede de TV hegemônica,
a Globo, que unia os lares de norte a sul.
Foram os anos do "sufoco" e do
"vazio", da contracultura, da literatura alegórica, da "poesia
marginal".
Aos poucos, com as perspectivas da abertura
"lenta, gradual e segura", novas estratégias foram esboçadas, tanto
do lado da ditadura quanto dos produtores culturais.
Em que pese o braço repressivo e o anticomunismo
atávico do governo militar, suas políticas proativas encontravam pontos de
afinidade com a esquerda –em especial na defesa do nacionalismo e do Estado
como patrocinador.
O surgimento de agências como a Embrafilme e a
Funarte selou um novo tipo de relação –problemática, mas bastante efetiva–
entre regime e cultura. Paralelamente, a expansão do mercado e do circuito
comercial –TV, indústria fonográfica, "teatrão", editoras etc.– abria
novos espaços para artistas e intelectuais.
Nesse novo cenário, muitos dos artífices do teatro
realista engajado dos anos 1950 e 1960 migraram para a teledramaturgia da
Globo, que ajudaram a formatar.
À sombra do Estado ou em busca do mercado, alguns
deles foram acusados, pelos mais radicais, de "adesão" e
"cooptação".
Em linhas gerais, consagrou-se nessa época uma
espécie de "nacional-popular" genérico –casamento de "Dona
Flor" com o "O Bem Amado"– no qual a potência política se diluiu
em fórmulas digeríveis pelo grande público e pelo "sistema".
Não por acaso, quando o presidente José Sarney
lançou a Nova República, alguns dos expoentes da antiga esquerda cultural foram
convocados para a formulação das políticas culturais. Na realidade, mesmo que
não oficialmente, eles já estavam, de certa forma, no poder.
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