MD-35
- Para não esquecer a ditadura
Por Guilherme Cardoso em 27/05/2008 na
edição 487
Vez
ou outra a gente lê, ouve ou vê alguém fazer críticas às torturas ou
desqualificar fatos e pessoas que, direta ou indiretamente, militaram contra a
ditadura militar no Brasil. São perseguições ideológicas contra diversos
combatentes e anistiados que receberam indenizações do governo, como
recentemente aconteceu com o Jaguar e o Ziraldo. Acrescente-se a isso, a
pergunta debochada do senador José Agripino (RN) dirigida à ministra da Casa
Civil, Dilma Rousseff, insinuando ter ela mentido sob tortura na ditadura.
Quem
assim age, está colocando em dúvida os atos de torturas sofridos por aqueles
que estiveram no front da resistência ao regime de exceção de 64 a 85. Com
certeza são jovens, nem nascidos à época, que estavam do outro lado, ou então,
como muitos cidadãos brasileiros, não se envolviam em nada, alienados dos
problemas políticos que o Brasil atravessava.
A
data de 31 de março deveria sempre ser lembrada. Não com festas, parada
militar. Com respeito e reverência, como os judeus recordam o holocausto, os
horrores da II Guerra. Nas escolas e universidades, deveriam haver palestras,
recontar às crianças, aos jovens e adultos tudo o que realmente aconteceu
naquele período negro da história brasileira. Os sinos das igrejas deveriam repicar
e até as pessoas deveriam ficar estáticas nas ruas, por um minuto apenas, para
reverenciar os mortos e os tristes momentos que viveram gerações passadas. Não
é cafonice, não!
Sem
advogado nem hábeas corpus
O
que não se pode é destruir pessoas, esquecer a tortura, passar uma borracha no
passado, simplesmente ignorar a ditadura, dizer que é puro saudosismo, e que
1968 foi um ano qualquer, não mudou nada no mundo, ou sequer provocou. Como tem
sido debatido pela mídia nos últimos dias.
Agora,
é muito fácil desqualificar Caetano, Gil e Ziraldo, Chico Buarque, Gabeira e
Dilma, e dizer que nunca foram revolucionários, sequer militantes, apenas
artistas, políticos e muito espertos.
É
preciso estar atento, não descuidar, porque daqui a pouco, com a velocidade do tempo
e da tecnologia, vai aparecer gente dizendo que nunca houve esta tal de
ditadura, que tudo não passou de brincadeira, impulsos da juventude. Como
revolução, sim, 64 foi uma farsa, não houve transformação alguma. Apenas um
golpe e censura, muita perseguição, tortura, mortes e desaparecimentos.
Sempre
que for possível, deve-se recordar para os mais novos que a ditadura não
existiu apenas por um só dia. Foram nada menos que 20 anos de horrores, de
perseguições, denúncias, prisões, torturas e mortes. Quem cismava em questionar
alguma norma ou proibição, era taxado de comunista e tinha seus passos
vigiados. Bastava um deslize qualquer e o sujeito ia preso. Sem direito a
advogado nem a hábeas corpus.
Donos do poder
Era
um tempo de medos, os piores que se pode imaginar. Falta de liberdade, prisões,
ameaças, denúncias vazias. De repente, o morador do lado cismava com o vizinho,
às vezes por um som alto, uma briga de crianças, ligava para o Dops, dizia que
ele era um terrorista e pronto, o sujeito estava preso, às vezes torturado,
outras, desaparecido.
Esta
imprensa de hoje, que às vezes critica e desmerece os combatentes e anistiados
da ditadura militar, é a mesma dos anos 60, e tem muita gente que nela ainda
trabalha e opina e que teve participação ativa nos dois lados do regime.
Alguns, ficaram contra os ditadores de plantão, perderam empregos, foram
presos, desapareceram. Outros, e muitos, preferiram a segurança, o conforto,
escolheram o caminho do poder. Como recompensa, os altos cargos, os bons
salários, as verbas publicitárias e as concessões de rádios e televisões.
Agora, são os donos do poder.
E
ai de quem for contra eles.
***
Jornalista, Belo Horizonte, MG
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