Quarta-feira, 13 de Março de
2013 | ISSN 1519-7670 - Ano 17 - nº 737
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POR TRÁS DO PODER
MD-27 - O papelão
de assessores de imprensa na ditadura
Por Urariano Mota
em 25/01/2011 na edição 626
Do livro No Planalto, com a imprensa, cujos dois volumes
reúnem entrevistas de secretários de imprensa e porta-vozes de JK até Lula,
prefiro ressaltar frases de assessores que serviram à ditadura brasileira. Nas
passagens que o eufemismo recomendaria chamar de momentos menos honrosos, são
indicadas ações vis como se fossem coisas bobas, ossos do ofício de experientes
assessores, entre um riso e outro.
É sintomático do nível geral do jornalismo que ninguém mais se espante
com informações graves, como estas cândidas palavras de Carlos Chagas, assessor
de Costa e Silva, ao lembrar seus tempos de O Globo:
"As informações sobre o que podia ser veiculado vinham dele,
Roberto Marinho. Mas era esporádico, vinham de vez em quando porque o Roberto
Marinho era daqueles jornalistas antigos que não admitiam notícia política,
vamos dizer, elaborada pelo repórter. Ele tinha uma orientação clara: `Tem que
escrever: Fulano de tal disse a O Globo, disse a O Globo,
disse a O Globo. Aí, publique tudo o que você quiser, na boca do
outro.´ Era esperto, não? Para O Globo não ser acusado de nada."
"Era bom conhecer o outro lado"
Não há sequer um
tímido parêntese ou palidez de itálico para o ato de enfiar palavras não
ouvidas na boca de terceiros. Nem mesmo para este comportamento de repórteres,
no depoimento de Humberto Barrada, assessor de Geisel:
"Certa vez, um jornalista de O Estado de S. Paulo havia
escrito uma matéria com uma declaração do presidente em uma reunião e veio me
mostrar. Eu disse: `Não foi isso o que ele falou. O senhor está enganado.´ E
ele insistiu: `Foi, sim.´ Então, disse eu: `Dê-me o papel e espere aí.´ Fui ao
gabinete do presidente e lhe mostrei a matéria. Ele corrigiu de próprio punho,
a lápis... Corrigido o texto pelo próprio presidente, voltei ao jornalista e
disse: `Pronto, está aqui. Com a letra dele. Está satisfeito?´ `Pô, é mesmo,
foi ele mesmo quem escreveu.´ `Claro!´"
Ou de SaïdFarhat,
antes de ser porta-voz de Figueiredo:
"Fui procurado
pelo Severo Gomes, então ministro da Indústria e Comércio. Ele disse: `O
presidente Geisel me autorizou a convidar você para ser presidente da Embratur.
Você aceita?´ Eu respondi: `Aceito, sim. O que a Embratur faz?´"
Em outro ponto,
ele, assim como todos assessores da ditadura, se refere à campanha para a
presidência. Mais de uma vez fala "durante a campanha"... Isso para
lembrar a circulação do ditador escolhido, eleito com voto de cartas marcadas,
no Congresso Nacional. Como a ditadura gostava de parecer democrática.
Ainda que o livro
não tenha qualquer espírito investigativo, pois as palavras dos entrevistados
são sempre as últimas, e se aceitam sem qualquer contraditório, aqui e ali
saltam atos falhos. A primeira coisa que se ressalta é a banalização da
ditadura. É como se um golpe de Estado, censura, clima de terror, torturas e
assassinatos não fossem o preço necessário para o acesso agradável aos
ditadores. Um serviço à ditadura que assim é justificado por Carlos Chagas:
"Ser
secretário de Imprensa do presidente era um posto no qual se ficava no foco,
importante, um passo adiante na carreira... porque era bom conhecer o outro
lado, como é que funciona, porque até então eu só conhecia o lado de cá... Eu
iria participar da abertura e ia acabar com o AI-5."
Ordem do Império Britânico
Ou aqui, em Marco
Antônio Kraemer, segundo assessor de Figueiredo: "Todos nós queríamos
liberdade, tinha que acontecer. E era melhor acontecer, como vou dizer... sob
controle. Era melhor do que explodir".
Mas nada se compara
a Alexandre Garcia, que esteve numa posição intermediária entre assessor do
assessor e secretário do secretário de imprensa de Figueiredo. Ele assim se
dirigiu, em suas primeiras horas de poder, ao general Rubem Ludwig:
"Agora, gostaria de ouvir os seus conselhos de como proceder lá dentro
porque costumo vestir a camisa dos lugares onde trabalho." Sincero o
jornalista, sem dúvida.
Para Alexandre Garcia, enfim, nada é mais honroso que isto, exibido com
orgulho em seu currículo: "Condecorado com a OBE (Ordem do Império
Britânico) pela Rainha Elizabeth". Salve, Rainha. Por tal honra, John Reed
e semelhantes se torcem até hoje de inveja.
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