MD-44- A mídia na ditadura
A exigência da verdade também sobre seus comportamentos
Imperador. Marinho recebeu de Falcão o aval para criar a Globo atual
Falta um tema na variada agenda da Comissão Nacional da
Verdade. Criada com a finalidade de apurar as violações dos direitos humanos,
ela não incluiu na pauta de trabalho a análise do papel da imprensa, como é
feito com a Igreja, por exemplo, durante a ditadura, articulada e sustentada
por civis e militares.
A imprensa foi arauto da trama golpista contra o presidente
João Goulart. Sempre conservadores, os “barões da mídia” brasileira agem na
fronteira do reacionarismo. Apoiar golpes, por isso, não chega a ser exatamente
novidade. Alardeiam o princípio do liberalismo sem, no entanto, se comprometer
com a democracia. Assim promovem feitiços, como o de 1964, e tornam a própria
imprensa vítima da feitiçaria.
Patrões e empregados são testemunhas importantes de uma
história que precisa ser passada a limpo. É necessário ir além do que já se
sabe. Isso só ocorrerá com o depoimento daqueles que viveram os episódios ou
estiverem próximos deles.
A ditadura “exerceu o terror de
Estado e provocou medo na sociedade civil. Não há indícios, porém, de que o
medo fosse a razão do consentimento” que a imprensa deu aos generais, como
anota a cientista política Anne-Marie Smith, no livro Um Acordo Forçado.
Ela põe o dedo na ferida ainda
aberta: “E se outros jornais tivessem protestado quando o general Abreu proibiu
qualquer publicidade do governo no Jornal do Brasil em 1978?” E se aproxima da resposta: “Os obstáculos à
solidariedade não foram criados, nem reforçados, nem explorados pelo regime. A
falta de solidariedade foi uma desvantagem gerada pela própria imprensa”.
Império da mídia brasileira, o apoio do Sistema Globo à ditadura nunca foi negado,
embora hoje seja disfarçado. Uma das razões para esse comportamento passado,
que se encaixa na reflexão de Smith, encontra explicação no livroDossiê
Geisel, de Celso Castro e Maria Celina D’Araujo.
No governo Geisel, o ministro das Comunicações, Euclides
Quandt de Oliveira, vetou novas concessões ao nascente Sistema Globo por receio
de que Roberto Marinho chegasse ao monopólio da opinião pública. Ele então foi
ao ministro da Justiça, Armando Falcão, e falou “do constante apoio” que deu ao
governo.
“Disse também que o comportamento da Rede Globo deveria
fazê-la merecedora de atenção e favores especiais do governo”, registra o
livro.
Marinho apelou sem constrangimentos. Ameaçou vender a Rede
Globo, caso não tivesse apoio para continuar a crescer. O resto da história
todo mundo sabe.
A mídia reage, hoje, ao projeto sobre a -atualização das leis de comunicação com o
argumento falso e insensato de que o objetivo é censurar. No entanto, em plena
ditadura, adotou a inércia e o silêncio diante dos atos concretos de restrição
à liberdade de escrever. Não de escrever sobre tudo, mas somente sobre certos
assuntos como tortura e assassinato nos porões da ditadura. Essa é a diferença
em relação à genérica denúncia de restrição à festejada liberdade de imprensa.
A censura, nesse contexto, cumpria outro papel. Excluía a
responsabilidade direta dos donos da mídia e de muitos editores autoritários
coniventes, que sempre se desculparam ao apontar a censura governamental como a
razão do silêncio.
A ditadura seria outra – talvez ditabranda – contada a partir
do que foi publicado na ocasião.
Para a imprensa conservadora,
reacionária nos anos de chumbo, esse tema dói. É um nervo exposto.
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