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Bottom of Form 1
Quinta-Feira,
17/10/13
Internacional
OCD 5 - Especial: El Mercurio
no banco dos réus
qua,
16/10/2013 - 13:55 - Atualizado em 16/10/2013 - 16:24
El Mercurio no banco dos réus
Agustín Edwards processado por golpismo e violação de DDHH
Frederico Füllgraf
Santiago
do Chile
40 anos após o golpe
militar que derrubou e matou o presidente democraticamente eleito, Salvador
Allende, o dono do conglomerado El Mercurio Sociedad Anónima Periodística,
Agustín Edwards Eastman, senta no banco dos réus, processado por crime de
homicídio múltiplo. A ação em mãos do juiz Mario Carroza, que também investiga
a morte do Prêmio Nobel, Pablo Neruda, aponta novo rumo da Justiça Chilena na
apuraçãpo dos crimes da Ditadura Pinochet: depois dos militares, o caso Edwards
sinaliza que os civis também deverão responder pelos crimes de violação de
DDHH. Ouvido pelo juiz Carroza em setembro último, Edwards negou tudo. Menos
que havia tomado o café da manhã com a CIA.
Dois grupos apenas - o El
Mercurio de Agustín Edwards, e La
Tercera,
do empresário varejista, Alvaro Sayeh - dominam o mercado midiático chileno.
Edwards edita El Mercurio, o vespertino La Segunda e o
popular Las Ultimas Noticias, além de 21 jornais regionais do Chile.
Em 1987, com TV Cable Intercom, sua empresa ingressou no mercado de mídias
eletrônicas. Em 1995, associou-se à Cordillera S.A. (Metrópolis), fundando a
Metrópolis Intercom TV, que virtualmente monopoliza os sinais de TV por cabo no
Chile, e que tem como sócios a Telefônica espanhola (30%) e a Bresnan
International Partners, do falecido empresário norte-americano William Bresnan.
O portifolio multimídia se completa no mercado de radiofonia com as emissoras
Digital FM e Positiva FM, empresas gráficas e um joint-venture com o grupo
espanhol PRISA, na editora El Mercurio-Aguilar. Sua última aquisição, em 2006,
foi a Diario el Sur S.A., em Concepción, que edita El Sur e o
verspertino Crónica. A estratégia consolidou o monopólio midiático do
Grupo El Mercurio, e Agustín Edwards é mais temido que respeitado como o
“Rupert Murdoch da Cordilheira”.
Contudo,
a crônica da Família Edwards e seu patrimônio no Chile, começou a ser escrita
há duzentos anos, e suas origens são assaz bizarras.
No
berço, um pirata
Quando
George Edwards Brown, numa tórrida manhã de 1804, em Coquimbo, extremo norte do
Chile, com um violento chute arrombou a porta da casa do próspero fidalgo
espanhol, Diego de Ossandón e, mosquetão engatilhado, berrou em hispanglês com
sotaque cockney, “esto es un assault!”, ninguém imaginou que naquele átimo
começava a ser escrita uma página sangrenta da história do Chile.
Não,
ninguém se machucou: quando os olhos de Edwards Brown cravaram no belo rosto de
Isabel Ossandón Iribarren, filha do dono da casa, estatelada de pavor no meio
da sala, os indecisos relógios da casa sustaram o tic-tac e, pela primeira vez
desde que partira das Ilhas Britânicas, o inglês sentiu violento mal de mar: a
paixão o fulminara. Então ouviram-se tiros, correria e roucas vozes
estrangeiras chamando seu nome. Os Ossandón, mãos em atitude de prece, já lhe
apontavam a porta em pedaços, para por fim àquele pesadelo, mas Edwards Brown
suplicou que o escondessem. E durante três dias sentiu-se como as fedorentas
sardinhas, dobrado sobre si mesmo dentro de um barril de vinho. Interminável
suplício, mas na medida, para que seus comparsas suspendessem a busca e,
repelidos por contra-ataque da guarda espanhola, recuassem para o Blackhouse
- um entre tantos barcos flibusteiros que costumavam saquear vilas e
cidades da costa do Chile, sempre “by appointment of Her Majesty, the queen”.
A
deserção do pirata George inaugura a história do clã Edwards no Novo Mundo,
ironizado por um de seus descendentes, o romancista dublê de diplomata, Jorge
Edwards - ex-embaixador de Salvador Allende em Cuba, hoje embaixador de
Sebastián Piñera em Paris - em narrativas como “El inútil de la família”,
protagonizada por Joaquín Edwards Bello, tio-avô do escritor, cronista do El
Mercurio na primeira metade do séc. XX e autor do romance “El inútil” (1910),
um acerto de contas feroz com a oligarquia chilena tardo-novecentista, que o
obrigou a exilar-se no Brasil.
Do
cobre ao Banco Edwards
Preso,
mas libertado em 1805, Edwards muda-se para La Serena, oferece a cabeça à pia
batismal católica, e em 1807 casa-se com a bela Isabel, com quem terá oito
filhos. Barbeiro a bordo da nau pirata, em terra o inglês improvisa ofícios que
vão da cirurgia à usura, emprestando dinheiro a pequenos mineiros do Atacama,
ao cabo de uma década gerando não desprezível fortuna.
Naqueles
anos, os criollos chilenos levantavam-se em armas pela independência
e, instigado por saturada bílis antiespanhola, Edwards adere à causa, doando
dinheiro para o armamento dos insurgentes. Declarada a Independência, seu líder
Bernardo O´Higgins lhe concede a cidadania chilena por merecimento e, em 1822, Don
Jorge Edwards é eleito deputado pela província de Huasco. Morreu
endividado em 1848, como malfadado investidor nas minhas de cobre do Atacama.
Outro
foi o faro de seu filho, José Agustín de Dios Edwards Ossandón, que fez fortuna
como fornecedor dos grandes mineiros e comerciante de prata e cobre. Herdara do
pai o instinto velhaco dos usureiros, aprovisionando seus clientes em troca de
minerais ou hipotecas de seus equipamentos. Em 1850, associou-se ao
norte-americano William Wheelwright, com que construiu a ferrovia das minas ao
porto de Caldera. Dez anos mais tarde, foi um dos financiadores da ferrovia
entre Santiago e Valparaíso, já então o principal porto do país, no Chile
Central. É em Valparaíso que se escreve a segunda e importante página do clã:
de grande mineiro e construtor, Edwards Osandón salta para o mercado de
capitais, fundando a Compañía Chilena de Seguros e, em 1867, o Banco de A.
Edwards.
Os Edwards descobrem a imprensa
Agustín
Edwards Ross, filho de Edwards Osandón e neto do pirata George, foi quem sentou
as bases do que hoje representa o Grupo El Mercurio. Herdeiro de notável
fortuna de seu pai, iniciou sua carreira como político (quatro mandatos de
deputado, um de senador por Vaparaíso, dois de ministro), em seguida, como
editor do La Época, escalando celebridades como Rubén Darío, Anatole
France e Guy de Maupassant entre seus colaboradores.
Em
1877, o jornal El Mercurio de Valparaíso enfrentava grave crise de
insolvência e Edwards Ross resolveru comprá-lo.
Mitômanos
que soem superar a argentinos e brasileiros em ousadia e caradurismo – por
exemplo, roubando ao Libertador argentino José de San Martín a autoria
da independência chilena, que ardilosamente contrabandearam para O´Higgins - os
chilenos também afirmam que El Mercurio de Valparaíso, fundado em 1827
pelos tipógrafos Thomas G. Wells, Ignacio Silva Medina e Pedro Félix Vicuña,
foi “el primer diario de habla española” - pioneirismo desta vez roubado a El
Peruano, já editado em Lima, em 1825 e fundado por ninguém menos que Simón
Bolívar.
Morto
Edwards Ross, é seu primogênito, Agustín Edwards MacClure (deputado, ministro
de relações exteriores aos 25 anos, e presidente da Sociedade das Nações, em
1922-1923), quem na virada para o séc. XX retira do jornal seu caráter
provinciano, lançando o El Mercurio de Santiago.
É
significativo que, como laureado em 1940, com o Prêmio Maria Moors Cabot,
instituído pela Universidade de Columbia, Nova York, Edwards MacClure começa a
articular o estreitamento das relações do Chile com os EUA; predileção
étnico-cultural de resto continuamente atestada pelos sobrenomes sobejamente
anglosaxãos das esposas dos Edwards. Falecido Edwards MacClure, em 1941,
sucede-o seu filho único e quarto delfim da genealogia: Agustín Edwards Budge.
Na década de 1950, ele contrata a assessoria da missão norte-americana
Klein-Sacks, usando as páginas de El Mercurio como espécie de “ministério da
economia nas sombras” do combalido governo Carlos Ibáñez. Edwards Budge morreu
em 1957, deixando como viúva Isabel Eastman Beéche e quatro filhos, dos quais
foi Agustín Edwards Eastman que assumiu o El Mercurio em 1958, que dirige com
mãos de ferro até hoje.
Os “Mercurio Boys” contra o Estado
Nascido
em Paris, em 1927, Edwards Eastman (EE) não concluiu o curso de Direito da
Universidad de Chile, graduando-se em 1949 pela Academia Woodrow Wilson de
Estudos Públicos e Internacionais da Universidad de Princeton.
De
volta ao Chile, revela-se noviço devotado ao país das “possiblidades
ilimitadas”. Em 1955, como pesquisou a jornalista Claudia Urquieta Chavarría,
do portal El Mostrador, a Escola de Economía da PUC chilena assinava convênio
com a Universidade de Chicago, que desovaria notável penca de economistas.
Muito antes da tomada do poder pela ditadura Pinochet e seus “Chigago Boys” -
que desenharam a mais cruenta agenda neoliberal da América Latina, mediante a
virtual privatização e draconiana redução do tamanho do Estado e a repressão
implacável do movimento sindical – estavam os “Mercurio Boys”, como infere em
1995 o historiador Ángel Soto em seu livro El Mercurio y la Difusión del
Pensamiento Político Económico Liberal: 1955-1970.
A
queda de braço pela apropriação do Estado começa a articular-se durante o
governo do democrata-cristão, Eduardo Frei Montalva (1964-1970), e seu
reformismo católico, inspirado na doutrina social da Igreja. Inicialmente
aliado de Frei, EE funda o Centro de Estudios Socio-Económicos (CESEC), que
elabora o programa econômico do candidato ultra-conservador, Jorge Alessandri,
adversário de Salvador Allende na campanha presidencial de 1970.
Um
dos autores do projeto da direita é o “Mercurio Boy” Sergio de Castro,
editorialista do caderno de Economia do jornal, após o golpe de 1973 convocado
por Pinochet para ocupar a pasta de Fazenda e Economia da ditadura. Outros
“boys” eram Pablo Baraona (futuro presidente do Banco Central de Pinochet),
Manuel Cruzat (que com seu primo Fernando Larraín controlava mais de 100
empresas, e com elas 5% do PIB durante o governo Allende, por isso
estigmatizados como “los pirañas”), e Hernán Cubillos Sallato, assessor da
presidência de El Mercurio e posterior ministro de Relacões Exteriores de
Pinochet. Seu pai, Hernán Cubillos Leiva, também comandante da Marinha na
reserva, servia como embaixador de Pinochet no Brasil, e teve ativa
participação na perseguição de exilados brasileiros no Chile, em ação
coordenada com a ditadura de Garrastazu Médici.
O
think tank de EE concluiu rapidamente que ao “socialismo
democrata-cristão” estatizante e às abordagens nacionalistas e
desenvolvimentistas da CEPAL havia que contrapor o primado da “empresa privada
e a livre economia de mercado”, como enfatiza Soto.
A
articulação militar
O
golpe militar de 11 de setembro de 1973 não foi iniciado por Augusto Pinochet
Ugarte, que só aderiu à conspiração quatro dias antes do bombardeio do palácio
La Moneda. O motim foi detonado pela Marinha, em Valparaíso, e era liderado
pelo Alm. José Toribio Merino Castro.
El Mercurio acusando
Allende de violar a Constituição
Toribio
Merino e EE acumulavam amizade e pacto ideológico desde 1967, ano da criação da
“Cofradía Náutica del Pacífico Austral”, clube de VIPs supostamente devotados à
vela e ao iatismo, que serviu de fachada para atividades conspirativas contra
Frei e Allende. Toribio Merino oficiava como presidente da confraria, utilizada
pelo dono de El Mercurio como espaço de convergência entre empresariado e a
Armada. Dois executivos do jornal, Hernán Cubillos e Roberto Kelly, encarnavam
à perfeição a simbiose, pois eram oficiais da reserva da Marinha.
Vinte
anos mais tarde, em entrevista à edição de 1/9/1996 da revista Qué Pasa,
Hernán Cubillos explicava que “a Cofradía nasceu da inquietação de Kelly,
Agustín Edwards e minha, de estabelecer um ponto de contato dos civis, aos que
interessavam as coisas do mar [sic!], com marinheiros profissionais...
Nesse clube foi se criando uma relação que nos permitiu passar informações às
Forças Armadas e, em sentido inverso, ouvir suas próprias inquietações”. Mas
então Cubillos liberta seus eufemismos e admite que René Silva Espejo, um dos
diretores de El Mercurio, “jugó un papel importante en la coordinación del
Golpe”.
Contudo,
a articulação do golpe contra Allende demorou três anos e não mediu esforços
para tirar do caminho, assassinar legalistas como o Comandante do Exército,
Gal. René Schneider, leal a Allende.
O
“Arquivo El Mercurio”
Desde
1974, o Chile conhece a verdade sobre o papel de El Mercurio no golpe contra o
governo Allende e como propagandista da ditadura Pinochet, endossando seus
crimes de lesa-humanidade. A verdade se deve ao corajoso relatório de 1974 do
senador Frank Church, intitulado “Covert Intervention in Chile : 1970-1973” http://academic.brooklyn.cuny.edu/history/johnson/churchreport.htm,
que já detalhava a escandalosa corrupcão proposta pelo editor chileno ao
governo Richard Nixon em troca da desestabilização do governo Salvador Allende
através das páginas de seus jornais. Em 2003, a extensão da conspiração veio a
lume com a desclassificação dos memorandos da CIA sobre a articulação do golpe,
exaustivamente estudados pelo pesquisador Peter Kornbluh, diretor das seções
Chile e Cuba da ONG National Security Archive, em Washington.
Em seu livro, “The Pinochet
File: A Declassified Dossier on Atrocity and Accountability. A National
Security Archive Book” (The New Press), Kornbluh dedica denso capítulo às
maquinações de EE em “’The El Mercurio File’. Entre
1970 y 1973, a operação envolveu a transferência de U$S 1.965.000 (aprox. US$
8,5 milhões de dólares ao câmbio atual) da CIA em dinheiro vivo ou a contas
offshore de EE.
A Ata Pinochet
O
editor chileno sabia das noites mal dormidas de Nixon e seu secretário de
segurança, Henry Kissinger. Em uma célebre entrevista de 1970, Nixon comparava
a América Latina - com Fidel Castro no poder em Cuba e Salvador Allende no
Chile - com a imagem de um “sanduíche esmagado por dois polos marxistas”. Desde
o governo Kennedy, todas as tentativas de invadir Cuba e matar Fidel haviam
fracassado, mas Allende não seria tolerado. Incentivado por Kissinger, Nixon
sacrificava dezenas de milhares de jovens americanos na invencível guerra do
Vietnã, tentava abraçar a China para acossar a URSS, e Allende era uma pedra no
sapato nas múltiplas frentes da guerra fria global; conjuntura delicada que
algumas vezes pareceu obnubilar a percepção do presidente chileno.
Track
I: o suborno fracassado
Como
David Rockefeller anotou em suas próprias Memórias (Planeta, 2004), EE o
advertira em março de 1970 que “os Estados Unidos devem prevenir a eleição de
Allende”. Seis meses mais tarde, EE decide participar ativamente da intervenção
norte-americana, planejada em dois estágios: o Track (trilha) I, e seu Plano B,
o Track II.
O
Track I, definido como “golpe pelas vias constitucionais”, visava simplesmente
subornar os deputados do Congresso chileno, e garantir a vitória de Jorge
Alessandri. Contudo, em 4 de setembro de 1970, com 36,3% dos votos e sem
maioria no Congresso, Salvador Allende é eleito Presidente em vitória apertada
– o Track I tinha fracassado.
Logo
após a eleição de Allende, EE deixou o país rumo aos EUA, vinculando-se como
presidente à Foods International e vice-presidente da Pepsico Inc. A partir dos
EUA tentaria impedir que Allende assumisse a presidência, em novembro de 1970,
fazendo lobby na Casa Branca. Mas o chileno tinha pressa por outro motivo: o
Grupo Mercurio estava insolvente e sofria forte pressão dos bancos credores.
Como
sua substituta, EE deixou em Santiago sua irmã, a bela Sonia Edwards,
simpatizante de Allende, cuja filha gerada com um militante de esquerda, anos
mais tarde, o truculento e implacável EE mandou sequestrar na própria clínica
em Londres, onde Sonia se refugiara da “vergonha em família”. Sonia só
descobriu o paradeiro da filha muitos anos depois.
Em
suas memórias, “Anos da Casa Blanca” (1979), Henry Kissinger anotaria que foi
visitado por EE y Donald Kendall, presidente de Pepsi Co., amigo dos mais
íntimos de Nixon, cuja campanha financiara generosamente.
A
visita ocorreu em 14 de setembro. Kendall visitou Nixon para relatar as
conversas que mantivera com EE. Kissinger e John Mitchell, promotor geral,
tomaram o café da manhã com EE e Kendall na manhã seguinte em um hotel de
Washington. Richard Helms, então diretor da CIA, também compareceu, e a ele
deve-se a publicação de todos os memorandos secretos da CIA, pois o homem
anotou tudo.
Durante
30 anos, a conversa naquela mesa de café, o que o chileno contou à CIA, foram
“top secrets”. Helms despediu-se e elaborou o memorando “Discussão sobre a
Situação Política Chilena”, no qual o nome de EE é muito mencionado várias
vezes, depois taxado em negrito, antes que o documento fosse desclassificado.
O
assassinato do Gal. Schneider
No
memorando de Helms, EE recordou a manobra montada por seu jornal e o governo
dos EUA: caso Alessandri ganhasse, renunciaria poucos dias, talvez até poucas
horas depois, abrindo caminho para novas eleições, que, então sim, seriam
ganhas com ampla vantagem pelo menor dos males: Frei Montalva, presidente em
retirada, mas legalmente habilitado, porque não significava uma reeleição,
vetada pela Constituição de 1925.
Mas
essa manobra, caso revelada, não seria tolerada pelo então Comandante em Chefe
do Exército, Gal. René Schneider, oficial constitucionalista e respeitoso do
veredito das urnas.
No
emblemático dia 15 de setembro de 1970, Richard Nixon emitiu a ordem para
impedir a posse de Salvador Allende, “fazendo uivar a Economia” [do
Chile]. Com seus garranchos, Helms anotou a encomenda do chefe, que ganhou as
páginas da História: “Quem sabe, uma em dez oportunidades, mas há que salvar o
Chile! Não importam os riscos involucrados... U$S 10.000.000 disponíveis, e
mais, se necesario. Trabalho a tempo integral – com nossos melhores homens...”.
Uma
das alternativas anotadas, seria uma ação militar para tirar do caminho
militares legalistas, e o nome sugerido para tal operação foi o de Roberto
Viaux, general na reserva, que em outubro de 1969 liderara uma tentativa de
golpe contra Frei Montalva.
Em
15/10/1070, Kissinger advertiu Nixon que Viaux não dispunha de poder de fogo
para um golpe: “Parece um ato de desespero. Cancelei. Nada seria pior que um
golpe abortivo”. Kissinger preferiu apostar em outro oficial golpista, o Gal.
Camilo Valenzuela, “grupo bem conhecido da CIA, capaz de levar a cabo um golpe
com êxito”. Kissinger queria mesmo o Gal. Schneider e, em 22/10/1970,
Valenzuela recebeu da CIA 3 submetralhadoras, munições e 10 granadas de gás
lacrimogênio.
Valenzuela,
nada exitoso, falhou duas vezes, e então Viaux e a agrupação fascista Pátria y
Libertad entraram em cena. No dia 25 de outubro, tentaram sequestrar Schneider,
mas o imprevisto aconteceu: o general reagiu, empunhando sua arma, e morreu
cravejado de balas no interior de seu automóvel.
O
líder do comando, a bordo de dois carros, um dos quais fechou o automóvel de
Schneider, era Enrique Arancibia Clavel, filho de oficial da Marinha e
ex-cadete naval de 26 anos, conhecido nos meios terroristas como “El
Dinamitero”, que detonara várias bombas em locais públicos, uma delas no
aeroporto internacional Pudahuel.
Antes
de fugirem, os assassinos de Schneider panfletaram o local do atentato em nome
de uma “Brigada Obrero-Campesina”, de sonância bolchevista, mas o futuro agente
da DINA, na Argentina, confessou textualmente à Justiça Chilena em 1977, que
fora um atentado sob bandeira falsa, “para hacer creer que los autores eran
de un grupo de ultra izquierda y crear un clima adverso”.
Um
ano mais, tarde, em 11/6/1971, refestelados no escritório oval da presidência,
Nixon e Kissinger mantinham-se aferrados à conspiração para derrubar Allende,
que completava seu primeiro ano de governo. Em dado momento, Nixon interpela
Kissinger com a notícia de novo assassinato político no Chile, desta vez de
Edmundo Pérez Zujovic, adversário de Allende, morto por um grupo esquerdista em
junho daquele ano, em represália a um massacre de favelados, ocorrido em Puerto
Montt, em 1959, que inspirara o cantor Victor Jara a compor a canção Preguntas
por Puerto Montt: "Usted debe responder, señor Pérez Zujovic, por qué
al pueblo indefenso contestaron com fusil”. Citada por Scott Horton, no
Harper´s Magazine de 6/7/2010 (“The Case Against Kissinger Deepens,
Continued”), uma gravação dos comentários cinicos de Kissinger confirma seu
envolvimento no assassinato de Schneider:
Kissinger:
They’re blaming the CIA [estão responsabilizando a CIA]
Nixon: Why the hell would we assassinate him? [por que, diabos, o assassinaríamos?]
Kissinger: Well, (a) we couldn’t. We’re— [Bem..., não conseguimos. Somos...]
Nixon: Yeah. [Pois é]
Kissinger: CIA’s too incompetent to do it. You remember— [A CIA é imcompetente demais para fazê-lo. O Sr. lembra-]
Nixon: Sure, but that’s the best thing. [Unclear]. [Com certeza, mas o melhor é isto mesmo (inaudível)]
Kissinger: —when they did try to assassinate somebody, it took three attempts— [quando tentaram assassinar alguém, fizeram três tentativas]
Nixon: Yeah. [Pois é.]
Kissinger: —and he lived for three weeks afterwards. [E o cara sobreviveu por três semanas.
Nixon: Why the hell would we assassinate him? [por que, diabos, o assassinaríamos?]
Kissinger: Well, (a) we couldn’t. We’re— [Bem..., não conseguimos. Somos...]
Nixon: Yeah. [Pois é]
Kissinger: CIA’s too incompetent to do it. You remember— [A CIA é imcompetente demais para fazê-lo. O Sr. lembra-]
Nixon: Sure, but that’s the best thing. [Unclear]. [Com certeza, mas o melhor é isto mesmo (inaudível)]
Kissinger: —when they did try to assassinate somebody, it took three attempts— [quando tentaram assassinar alguém, fizeram três tentativas]
Nixon: Yeah. [Pois é.]
Kissinger: —and he lived for three weeks afterwards. [E o cara sobreviveu por três semanas.
O
“alguém” era ninguém menos que o Gal. René Schneider.
Em
2001, os filhos e a viúva do Gal.Schneider ingressaram com acão criminal na
Corte Federal em Washington, na que acusam como autores do assassinato de seu
pai a Henry Kissinger, Richard Helms e Paul Wimert, então adido militar na
embaixada dos EUA em Santiago, que entregou pessoalmente as armas aos
terroristas de extrema direita. A defesa de Kissinger argumentou que sua
responsabilidade era política e não legal, e a Corte Suprema aceitou a
interpretação em sua sentença de abril de 2006. Porém, Wimert disse em
entrevista ao documerntário “The trials of Henry Kissinger” (BBC, 2002), “he
lied!” - Kissinger mentiu.
O
crime continua impune. Contudo, em 28 de abril de 2011, o mesmo Arancibia
Clavel, comandante do atentado, e agora amante de um cabeleireiro argentino,
foi assassinado com várias facadas em Buenos Aires. Dele falar-se-á no final do
presente texto.
Os
dólares da CIA para El Mercurio
El
Mercurio atravessava mais uma de suas crises financeiras, que habitualmente
nada tinham a ver com a situação econômica do país e, sim, com a más gestão de
EE. Dentro da empresa, o sindicato esquerdista exercia forte pressão e os
bancos credores apertavam o dono do jornal, e eram favas contadas que Allende
cortaria suas despesas de publicidade. Então EE inventou um ardil: alardeou
pressões inexistentes para o “fechamento dos meios de comunicação de oposição”,
desencadeando uma feroz campanha de Nixon contra Allende, pela “salvação da
liberdade de imprensa no Chile”.
Antes
mesmo da posse do presidente recém-eleito, o embaixador dos EUA em Santiago, Edward
Korry, pressionou credores de EE: “Falei novamente aqui com o gerente do
First NCB”, informou Korry em mensagem de 25/9/1973, codificada como “Top
Secret/Eyes Only.” “Por que estão colocando El Mercurio contra a parede?”,
questiona Korry: “Eu disse a ele [o gerente] que gostaria de poupar a Casa
Blanca dessa situação estranha, cujo efeito seria amordaçar a única voz livre
do Chile” - e Korry virou o jogo, o City foi colocado contra a parede.
Poucos
dias depois da ratificação de Allende como Presidente pelo Congreso chileno, em
6/11/1970, Nixon, indignado, reunia-se com seu Conselho de Segurança Nacional.
Seu recado foi curto e grosso: “Derrubem-no!”. Ato continuo Henry Kissinger
detalhou no tabuleiro cinco cenários desenhados pela CIA para desestabilizar
Allende. O “número 4” recomendava: “Assistência a certos periódicos usando os
meios de comunicação do Chile capazes de criticar o governo de Allende”.
Contudo,
o “dinheiro vivo” demorou um ano para entrar nas contas de EE: em 8/9/1971, a
CIA solicitou liberação de 1,0 milhão de dólares ao Comitê dos 40 (coordenação
secreta de altos funcionários liderada por Kissinger para vigiar ’operações
encobertas”), alegando que com a soma El Mercurio poderia sobreviver de um a
dois anos, mas que sem aquele aporte, o jornal sucumbiria antes do final do
mês.
Kissinger
propôs então duas “opções básicas”. Primeiro, entregar 700 mil dólares a EE em
caráter de urgência, “para garantir o suprimento de papel”, alegando que a
empresa La Papelera, do Gruppe Matte e Jorge Alessandri estaria sendo ameaçado
por Allende e “obstruções operárias” – mentira grosseira. Segundo, simular um
fechamento voluntário de El Mercurio e alardear ao máximo a “ameaça à liberdae
de imprensa” por um regime marxista. Mais perspicaz, a CIA se opôs à segunda
opção, pois sabia que Allende provaria que o fechamento de El Mercurio era
devido à inépcia administrativa de EE.
Efetivamente,
o jornal deixou de ser impresso por alguns dias, alegando inexistente falta de
papel e, finalmente, em 14/9/1971, Nixon liberou a primeira remessa de US$ 700
mil. Kissinger confirmou a Helms que Nixon estava disposto a dar mais, o que
motivou Helms a autorizar a Divisão Hemisfério Occidental da CIA a “exceder
700.000 dólares, até acima de U$S 1.000.000”. Matando dois coelhos com uma só
cajadada, a CIA financiava EE e ainda tinha bala na agulha para afirmar,
mentirosamente, que Allende boicotava o suprimento de papel-jornal. Meses
depois, EE recebeu mais US$ 300 mil, autorizados por Kissinger, operação de
financiamento de El Mercurio completada em abril de 1972, quando a CIA
intermediou um “adicional” de US$ 965 mil, mais uma vez falsamente justificado
com “fluxo de papel ameaçado por Allende”. Finalmente, outro memorando da CIA
de 15/5/1972, sobre uma operação acertada entre o agente Jonathan Hanke e o
executivo da ITT (International Telephone & Telegraph), Hal Hendrix,
registra a entrega de mais US$ 100 mil nas mãos de EE.
Em
1970, a ITT adquirira 70% do capital da Compañia de Teléfonos de Chile (CTC),
tornando-se virtual dona exclusiva da telefonia no país. Em 28 de setembro de
1973, a sede da ITT em Nova York sofreu um atentado à bomba pelo grupo
clandestino Weather Underground, ativistas contra a guerra do Vietnã, em
resposta ao seu envolvimento no golpe militar de Pinochet et allii.
Assim
estavam assentadas as bases financeiras para o desencadeamento da guerra
suja midiática que os jornais do Grupo El Mercurio promoveram sem tréguas
durante os três anos da Unidade Popular de Salvador Allende.
De
uma pesquisa realizada pela jonalista chilena, Mónica González, diretora do
CIPER-Centro de Información e Investigación Periodística – inicialmente bancado
no Chile pela fundação Open Society de George Soros - depreende-se que maio de
1973, o “Mercurio Boy” e conspirador da “Cofradía”, Roberto Kelly, convocou 10
economistas responsáveis pela elaboração do “El Ladrillo” [O Tijolo], o
Programa Econômico Neoliberal para Allessandri, que em cinco laudas resumiram
os conceitos básicos do projeto que deveria inspírar um regime militar golpísta,
e entregaram seu esboço ao Alm. Toribio Merino e seus homens da Armada.
Estava
articulado o braço armado do golpe, e agora também seu braço doutrinário. Não
por acaso, coube a Toribio Merino a coordenação do primeiro ministério da
Economia da ditadura Pinochet. Com as bênçãos de Agustín Edwards.
Dívidas:
depois da CIA, Edwards salvo por Pinochet e pela Concertación
O
clã Edwards encabeçava até há poucos anos o ranking das maiores antigas
fortunas no Chile – além das mídias, com investimentos nos setores florestal,
madeireiro e financeiro – hoje amplamente superadas por grupos
arquibilionários, como as famílias Matte, Paulmann, Sayeh e Piñera, herdeiras
do legado neoliberal pinochetista.
Após
sua permanência no Chile em 2000, como bolsista da fundação
Knight, o jornalista norte-americano Ken Dermota (colaborador de Business
Week, The Christian Science Monitor, Le Monde, Boston Globe e Toronto Globe), precocemente
falecido em 2009, escreveu o livro "Chile Inédito: el
periodismo bajo democracia" (Ediciones B Grupo Zeta, Santiago Chile,
2002), que configura a mais rigorosa pesquisa sobre a estrutura de propriedade
e o mercado dos meios de comunicação de massa no Chile, dedicando extenso
capítulo à situação econômica do Grupo El Mercurio.
Publicações de esquerda, como Clarín, Puro Chile, El
Siglo e Ultima Hora, cuja tiragem somada durante o Governo Allende era superior
a das publicações do Grupo El Mercurio, foram imediatamente banidas pela
ditadura Pinochet, seus diretores e jornalistas presos, torturados, assassinados
ou expulsos do país. A partir do dia 11 de setembro de 1973, restava apenas a voz única de El Mercurio e La Tercera, que se beneficiaram
principalmente do redirecionamento da verba publicitária.
No entanto, no início dos anos 1980, EE enfrentava nova
crise financeira, vendendo ativos e concentrando-se no Banco de A. Edwards e na
manutenção da editora de jornais. Quando o câmbio arruinou o Peso, saltando de
39 para 160 por dólar, a dívida do grupo disparou de 13 para 100 milhões de
dólares. Em 1983, as perdas do grupo alcançavam 22,5 milhões de dólares, no que
foi acompanhado pela penúria do Grupo La Tercera. Em 1987, os ativos de EE
estavam reduzidos a 50% de seu valor, e o grupo impossibilitado de pagar suas
dívidas.
Interessado
em manter controle politico sobre a imprensa, Pinochet deu sua mão aos editores
que o ajudaram a tomar o poder: o Banco del Estado emprestou 1,0 milhão de
dólares ao Grupo Copesa (La Tercera), capitalizou com 2,3 milhões de dólares
uma empresa acionista do grupo, e encampou a dívida externa de 201,0 milhões de
dólares do Banco de A. Edwards; operação alavancada por Alvaro Bardón, então
presidente do Banco del Estado, hoje privatizado.
Hábil, Bordón escamoteou a operação,
derretendo-a no tempo, iniciando a salvatagem dos jornais, faltando apenas três
meses para Pinochet transferir o poder a Patricio Aylwin, candidato da
vitoriosa Concertación, de centro-esquerda, em março de 1990. Maquiando
balanços, eliminando documentação comprometedora e transferindo créditos
incobráveis ao Banco del Estado, a operação teve outros lances fraudulentos: o
Grupo Copesa, do empresário de supermercados, Alvaro Sayeh, comprou grande
parte da dívida do La Tercera com “desconto” de 50%, e o Banco de Chile
suspendeu a hipoteca sobre a sede do El Mercurio, no valor de 4,0 milhões de
dólares, em troca de 180 marcas registradas por EE, entre elas, marcas
usurpadas de competidores, como o jornal Clarín, expropriado por
Pinochet ao amigo espanhol de Allende, Víctor Pey Casado, que, nonagenário,
luta até hoje pela devolução de seu combativo jornal.
Estima-se
que o custo imediato para os cofres públicos da operação de “perdão” da dívida
de Edwards, capitaneada pelo Banco del Estado, foi da ordem de 26,0 milhões de
dólares. Como se fosse pouco, o banco comprou espaço publicitário para 10
(dez!) anos, pagando adiantado a El Mercurio, o que lhe valeu um desconto de
1,8 milhões de dólares na dívida e o credenciou para conseguir novo empréstimo
de 6,8 milhões de dólares do Citibank de Santiago.
Articulação
do golpe: primeiro processo contra Edwards
Em
2003, o jornalista Manuel Cabieses - ilustre editor da revista Punto Final,
fundada em 1965, fechada por Pinochet e relançada no Chile em 1989 -
arrastou EE ao tribunal de ética do Colegio de Periodistas, que regulamenta a
profissão no Chile, para expulsá-lo da entidade por “grave violação de ética”
de seus jornais durante a longa noite da ditadura. Cabieses justificou sua
denúncia com a obrigação dos profissionais de comunicação de agirem “a serviço
da verdade, dos princípios democráticos e dos direitos humanos”.
Surpreendentemente,
o tribunal da entidade considerou que as opções ideológicas do proprietário de
um meio de comunicação “são do forum da liberdade de consciêrncia, que um
tribunal não pode julgar”, negando-se a expulsar o dono del El Mercurio de suas
fileiras. Cabieses e muitos de seus colegas reagiram indignados, protestando
contra a sentença “escandalosa” da entidade, reiterando que o que estava em
discussão não eram as opções ideológicas, mas os atos de EE, fartamente
documentados por Peter Kornbluh, e solenemente ignorados pela entidade. Em
2008, o Colegio de Periodistas pediu “perdão” às vítimas, entre elas, vários
jornalistas, e ficou por isso.
Dez
anos depois, uma comissão do Conselho Nacional da mesma entidade de classe
volta à carga contra EE, solicitando ao magistrado Mario Carroza a ratificação
das mesmas provas já apresentadas por Cabieses em 2003. Motivo: a abertura do
processo de investigação dos civis implicados no golpe militar de 11 de
setembro de 1973. Em meados de janeiro de 2013, Carroza acolheu a ação criminal
(Processo Nr. 1886) impetrada em 14 de dezembro de 2012 por Lorena Pizarro,
presidenta da Agrupación de Familiares de Detenidos Desaparecidos, e Alicia
Lira, presidenta da Agrupación de Familiares de Ejecutados Políticos,
representadas pelo advogado Eduardo Contreras. Os interrogatórios de acusados e
testemunhas iniciaram justamente durante os atos cívicos dedicados à memória
dos 40 anos do golpe de 1973.
A
ação é inédita na história do Judiciário do Chile e tem como fonte de
inspiração a juiza uruguaya, Mariana Mota - ícone em seu país na luta pela
defesa dos DDHH e apuração dos crimes cometidos pela ditadura uruguaia –,
autora em 2012 do primeiro veredicto conhecido no mundo, que define golpe
de estado como crime de lesa humanidade. A magistrada condenou a 30 anos
de prisão o ex-ditador José María Bordaberry (presidente de 1972 a 1973, após o
golpe de estado, ditador de 1973 a 1976), pelos delitos de “atentado contra
a Constituição em reiteração real”, além de nove crimes de desaparecimento
forçado e dois assassinatos políticos.
Na
ação criminal, as família dos fuzilados e desaparecidos do Chile invocam os
artigos 121 e 122 do Código Penal, que qualifica crimes de amotinamento,
sublevação e violenta alteração da ordem pública. Como provas anexadas aos
autos está o Informe de 1975 da Comissão Church do senado norte-americano, e
documentos do “Pinochet File” de Peter Kornbluh (vide memorandos censurados -
“sanitized”).
A
primeira medida determinada à PDI-Polícia Federal Chilena por Carroza foi
“ubicar y entrevistar” Agustín Edwards Eastman, ilustre personagem citado nos
memorandos de Helms e Kissinger. O jovem e corajoso magistrado pretende ir
longe: oficiou a cada um dos comandos das três armas das FFAA chilenas, além
dos Carabineros e da PDI, intimando-os a entregarem listas completas dos nomes
destas instituições implicados na trama golpista de 1973.
A
própria Justiça, da qual alguns representantes pediram “perdão” durante os atos
de denúncia dos 40 anos do golpe, será investigada: Carroza cobrou da Corte
Suprema a entrega da lista completa de todos os ministros que oficiavam nos
tribunais à época do golpe, específicamente dos juízes que acusavam Salvador
Allende de “quebra da constitucionalidade”, com isso tentando conferir
legalidade ao golpe militar. Mas Carroza enfrentou muitos entraves: com a ação
impetrada em dezembro de 2014, durante nove meses o juiz, que também investiga
a morte de Pablo Neruda, sofreu obstruções, tais como a decisão da alta
magistratura de submeter a legitimidade da ação ao voto em plenário, e não
assinando a petição.
Mais
uma vez a embaixada dos EUA em Santiago também foi intimada a entregar à
Justila Chilena os nomes de todos os funcionários americanos “que se desempeñabam
en esa sede diplomática al momento del golpe militar”. E novamente Carroza
implica no caso a Henry Kissinger, duplamente autuado em ações paralelas e
antigas, por seu papel no assassinato do Gal. Schneider e na articulação da
Operação Condor.
Caso
se comprove a implicação dos acusados – além de Edwards, mais de cem civis e
militares - as penas poderão somar de 5 a 20 anos de prisão em regime de
segurança máxima, por crimes que vão da associação ilícita e traição por
homicídio, lesões graves, incêndio, danos à propriedade do Estado, e no caso
dos militares, por espionagem e traição. A conjura deixou um saldo de 3.500
mortos e dezenas de milhares de torturados
“Operação
Colombo”: segundo processo contra Edwards envolve Brasil
Em 24 de junho de 1975, as bancas
de jornais em Curitiba luziam o jornal “Novo O Dia”, e alguns leitores de
provecta idade imaginaram tratarse de um relançamento do saudoso O Dia,
publicado na capital paranaense de . Notícia comum durante a ditadura Médici,
sua manchete denunciava mais uma ação “terrorista”. Esta, porém, era atípica,
algo sem propósito: relatava um acerto de contas nas próprias fileiras de um
grupo de “extremistas” chilenos, com 120 baixas na Argentina. No mesmo dia, a
mesma notícia era estampada na Argentina pela revista “Lea”, com uma ampla
listagem da identidade dos chilenos. Em Buenos Aires, a agência UPI pescou e
reverberou a “fuzilaria”. No dia seguinte, 25 de junho, a notícia era alardeada
pelo jornal La Segunda, do Grupo El Mercurio, com o seguinte
título:”Exterminados como ratazanas” (vide “imagem”), e o próprio jornalão El
Mercurio escrevia: “Identificados 60 miristas ejecutados por sus propios
camaradas”.
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