Terça-feira,
06 de Agosto de 2013 | ISSN
1519-7670 - Ano 17 - nº 758
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MÍDIA & SOCIEDADE
MD-23 - Cultura,
ditadura e imprensa alternativa
Por Tarcizio Macedo em 27/11/2012 na
edição 722
Hoje, com a consolidação da
democracia e do sistema capitalista – da corrida frenética pelo lucro – muito
se falou, sem qualquer afirmação concreta e concisa, que já não havia espaço na
sociedade para a imprensa alternativa. Que o fim do regime autocrático
colocaria fim à necessidade e função de uma mídia declaradamente, direta ou
indiretamente, opositora.
Confundiu-se, em determinado período
da história recente do Brasil, que a luta do alternativo era unicamente
promover o fim do regime militar e que, portanto, não haveria, hoje, condições
favoráveis à existência de uma imprensa defensora dos interesses nacionais e
populares. De certa forma, após o fim do regime autoritário, eles deixaram de
desempenhar o papel de antes, já que a nova conjuntura requeria uma adaptação e
remodelação aos conceitos outorgados para não sucumbir diante de novos
paradigmas estabelecidos após a abertura política.
Era chegado o momento de estratégias
ousadas, novas possibilidades e um processo de massificação dos jornais
alternativos a partir da incorporação de meios massivos e amplificadores como,
por exemplo, a multiplicação de tiragens para uma geração e propagação dos
pensamentos e comportamentos apropriados para o funcionamento e massificação
dos ideais defendidos pelos jornais alternativos – além de uma maior
acessibilidade e popularização, principalmente uma maior aproximação com a
imensa massa de trabalhadores, uma novidade trazida a partir dos acontecimentos
em curso no país.
Já sabendo que a imprensa desempenha
– segundo o filósofo e pesquisador estadunidense Douglas Kellner pontua em Cultura
da Mídia – o papel categórico de fornecer a legitimação ideológica que
fundamenta a existência e a integração dos indivíduos em sociedade, promovendo
– juntamente com a cultura – a legitimação dos governos autoritários.
O choque de culturas
Predominava no Brasil, naquele
momento (1964-1985), a cultura da ditadura que funcionava com um poderoso instrumento
para promover os valores do governo militar e as atitudes tomadas por quem se
dizia ser o representante do povo e o protetor da nação contra a “ameaça
vermelha”. De certa forma, como afirma o filósofo e crítico literário britânico
Terry Eagleton em A Ideia de Cultura, “uma cultura pluralista deve ser
de qualquer forma exclusivista, já que precisa excluir os inimigos do
pluralismo”. Não que a cultura da ditadura seja pluralista, longe disso.
Trocando-se pluralista/pluralismo por ditatorial/autoritarismo, ou sinonímias,
o argumento é completamente válido.
Como assinala Geoffrey Hartman em The
fateful question of culture, nós temos agora cultura da fotografia, cultura
das armas de fogo, cultura da prestação de serviços, cultura de museu, cultura
da dor, cultura do medo, cultura dos cafés etc. Por que não haveria uma cultura
do autoritarismo em plena ditadura, para algumas pessoas, refletindo
obedientemente à fragmentação da vida política neste período?
Esta mesma cultura conflitava com a
cultura democrática, a cultura comunista, a cultura anarquista, a cultura
popular etc. Estas, por sua vez, tendiam a considerar a cultura mais ampla – a
ditatorial – sufocadamente opressiva, com frequência por excelentes razões,
elas compartilharam aversão às atitudes de forte repressão do Estado ao
interesse de emancipação com ações diretas de militantes, políticos, estudantes
e guerrilheiros armados que passavam a se organizar, em sua maioria na
ilegalidade, como a Guerrilha do Araguaia (a maior guerrilha brasileira), a
Ação Libertadora Nacional (ALN), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), o
Partido Comunista do Brasil (PCdoB, uma dissidência do PCB), o Movimento
Nacionalistas Revolucionário (MNR), a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares
(VAR-Palmares), o Comando de Libertação Nacional (Colina) a Ação Popular (AP),
que mais tarde seria chamada de APML (Ação Popular Marxista-Leninista) e os
movimentos estudantis, organizados principalmente pela União Nacional dos
Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBEs) e
respectivas União Estadual dos Estudantes (UEEs), entre outros.
A transformação social
A cultura passa a ser um campo de
batalha feroz, deixa de ser parte da solução para se tornar parte do problema.
“Tornou-se parte do próprio léxico do conflito político. A cultura passa a ser
um campo de batalha em que as causas se travam publicamente e se combatem uma
contra a outra”, afirma Eagleton.
Não seria diferente no caso do
Brasil; a cultura como cúmplice criminosa é apenas um lado da história. Há
muito na cultura que presta testemunho contra a ditadura. Porque a cultura
significa não apenas uma identidade exclusivista, ou um lado da moeda apenas,
mas se refere também àqueles que protestam coletivamente contra uma tal
identidade. Se houve uma cultura da ditadura brasileira, haveria, pois, a
necessidade de se criar uma contracultura do autoritarismo, uma cultura de
resistência ditatorial. Uma vez que ambos os sentidos da palavra são
ambivalentes e conflitantes, nenhum deles pode ser simplesmente mobilizado sem
que haja a provocação de um choque com o outro; um antagonismo.
Eis que surge, neste contexto, uma
imprensa disposta a se opor e criticar o sistema vigente; a revelar o que a
imprensa servil ao sistema e favorável ao status quo tratou de se
distanciar, buscando uma outra alternativa de jornalismo e imprensa, tomando
para si o princípio jornalístico de aflorar os conflitos e produzir alterações
significativas na intenção de que “os comportamentos e as ações sociais,
derivadas dos atos comunicativos do jornalismo, realimentasse o processo
social, provocando transformações nos cenários da atualidade e da ordenação
ética, política e moral da sociedade”, como disse o pesquisador Manuel Carlos
Chaparro, membro do Conselho Curador da Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e ganhador de quatro Prêmios Esso
de Jornalismo pelas suas matérias investigativas a respeito da função social do
jornalismo. Não existe, pois, jornalismo se você não tem a intenção, direta ou
indireta, de provocar uma mudança ou transformação social.
Interesse público e do público
Foram pessoas comuns: jornalistas,
estudantes, intelectuais, militantes, políticos, que lutavam utilizando, como
afirma o jornalista Clóvis Rossi em O que é jornalismo, "uma arma
de aparência extremamente inofensiva", as palavras, contra as Forças
Armadas do Brasil, o governo brasileiro, o poder do Estado, exercendo o direito
humano à subversão civil diante de uma ditadura. Exercendo o jornalismo mais
que meramente uma profissão, mas como um direito fundamental do cidadão e do
exercício civil de questionar o que se faz na máquina administrativa pública.
Era função do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) e do
DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de
Defesa Interna) “prevenir a proliferação de ideias consideradas (e chamadas por
eles) ‘subversivas’ e reprimir o anarquismo e ideologias ‘exóticas’”, em nome
dessas funções burocráticas e da cultura implantada foi criado um aparato
repressor que prendeu, torturou e matou milhares de pessoas.
A cultura da ditadura não foi
unicamente aquilo do que viveram os seus idealizadores e defensores. Ela também
foi, em grande medida, aquilo para o que viveram, um modo de vida; não foi
apenas o que se colocou no toca-fitas, foi aquilo pelo quê, muitas vezes, se
matou. Foi nesse momento que o país vivenciou uma multiplicação da mídia
alternativa em todo o território nacional, que vão do sucesso ao fracasso, em
uma história de lutas, sacrifícios, riscos, perdas e ganhos. Contudo, somente
por serem do povo (sob controle popular) e para o povo é que puderam servir aos
ideais e causas populares.
Talvez, sem desmerecer a
irreverência, o humor satírico atrativo e o conteúdo diferenciado, a própria
perseguição e repressão levaram o conhecido hebdomadário O Pasquim a
alcançar números espantosos de tiragens (200 mil exemplares semanais nos
primeiros anos) e outras publicações, como Opinião e Movimento, funcionando
indiretamente como um marketingao semanário, que tinha como baluarte o espírito
de sacrifício e elevado grau de organização. Refletindo o próprio interesse da
sociedade da época pelos assuntos tratados pelo semanário, já que havia
interesse público, mas também do público. Vale lembrar que é da natureza humana
a sensação de curiosidade que desperta frente a algo proibido ou censurado.
Jornalismo independente
No que diz respeito à historiografia,
há um vácuo na trajetória da imprensa alternativa na Amazônia. Mas não é uma
particularidade dessa região, o país ainda carece de pesquisadores empenhados
para levar a conhecimento público a história da mídia alternativa em um país
que sofreu com um regime ditatorial opressor, onde as liberdades individuais e
os direitos humanos eram paulatinamente desrespeitados.
O bom jornalismo, refém do
capitalismo e da autocensura, continuará a ser mero porta-voz. Este jornalismo,
já que não assume uma autocrítica e reflexão em relação ao seu atual fazer
profissional e diante dos erros de suas próprias vitórias, será fadado ao
descrédito e não encontrará amparo em uma sociedade cada vez mais a procura de
respostas para os seus problemas. Há uma incapacidade por parte do mercado, e
por vezes do profissional, em refletir o exercer de sua profissão, em responder
positivamente diante das enormes possibilidades colocadas pela democracia.
Ademais, há uma covardia profissional, como afirmou Lúcio Flávio Pinto em
entrevista ao Observatório da Imprensa, alguns jornalistas brasileiros e
uma parte dos jornalistas no mundo não querem, hoje, correr riscos, querem uma
carreira linear, um “lead linear”, como diria Marcuzzi.
O povo passa a ver suas demandas
ficarem silenciadas pelos profissionais que deveriam ser críticos, mas que
estão mais preocupados em manter o emprego do que em fazer jornalismo. Heródoto
Barbeiro e Paulo Lima dizem no livro Manual de Telejornalismo que
“ninguém se exime da justificativa de que ‘apenas cumpriu ordens do chefe’”.
Hoje, ainda deparamos com a
impossibilidade de realização de um jornalismo independente no capitalismo
monopolista, onde dificilmente a imprensa tradicional voltará a dar voz a todos
e promover mudanças. No meio de grandes empresas jornalísticas, ainda agonizam
representantes da mídia alternativa no Brasil, que clama para que sua história
seja revelada.
***
[Tarcizio Macedo é
estudante de Jornalismo, Belém, PA]
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