Quinta-feira, 26 de Junho de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 804
|
1964 + 50
MD-10- Imprensa
apoiou ditadura antes de ajudar a derrubá-la
Por Oscar Pilagallo
em 25/03/2014 na edição 791
Reproduzido da Folha de
S.Paulo, 23/3/2014
Com mais ou menos
intensidade, a grande imprensa brasileira apoiou o golpe de 64. Depois de um
período de entusiasmo com o novo governo, os jornais –uns cedo, outros tarde–
passaram a criticar a ditadura e, após duas décadas, nos estertores do regime,
tiveram papel relevante na redemocratização.
A unanimidade
contra o presidente João Goulart foi construída ao longo de seu governo, à
medida que cresciam o radicalismo e a aproximação com setores da esquerda. Em
setembro de 1961, no conturbado episódio de sua posse, que marcou o início da
articulação golpista, a imprensa estava dividida.
Vários jornais se
declararam contra o veto militar ao vice de Jânio, que renunciara. Os Diários
Associados, com jornais espalhados pelo país, posicionaram-se a favor da posse.
No Rio, os dois principais veículos, “Correio da Manhã” e “Jornal do Brasil”,
também defenderam a legalidade. Foi essa também a linha editorial
da Folha.
Dois jornais
advogaram que Jango não assumisse: “O Globo”, no Rio, e “O Estado de S. Paulo”,
este com o agravante de não aceitar nem ao menos a solução parlamentarista,
costurada para contornar o impasse.
Mesmo os veículos
que haviam defendido a posse de Jango, no entanto, passaram a criticar seu
governo.
No final de
1963/início de 1964, os jornais haviam convergido para uma oposição que
endossava a tese da deposição do presidente. A justificativa era que ele
próprio estaria caminhando para um golpe de esquerda ou armando uma manobra
continuísta.
Estabelecido o viés
geral, a variável ficou por conta do grau de envolvimento de cada veículo.
Alguns tiveram papel periférico, como a Folha, com limitado peso editorial
na época, e o “Jornal do Brasil”, o último dos grandes jornais a romper com
Jango.
Outros, como o
“Estado” e a cadeia Diários Associados, foram protagonistas do golpe, devido ao
envolvimento de seus dirigentes com os conspiradores.
Só um jornal esteve
ao lado de Jango: a “Última Hora”. Criado pelo repórter Samuel Wainer no início
dos anos 50, a pedido de Vargas e com apoio financeiro do governo, o jornal,
dirigido a operários e à classe média baixa, defendeu até o fim a herança
política de seu padrinho.
A partir de abril
de 1964, a mídia e os militares tiveram um período de lua de mel, que não foi
interrompido mesmo quando ficou claro que a ditadura não seria tão breve quanto
fora previsto.
Denúncias
de tortura
O primeiro a
enfrentar o regime foi o “Correio da Manhã”. Ainda em 1964, o jornal, que
publicara dois violentos editoriais defendendo a saída de Jango enquanto o
golpe estava em andamento, denunciou torturas numa série de reportagens. Foi o
começo do fim do jornal, que fechou em 1974.
O restante da
imprensa, apesar de ressalvas pontuais contra abusos de poder e cassações,
continuou apoiando a ditadura, sobretudo em sua diretriz econômica liberal.
A reação à censura,
entre fins dos anos 60 e meados dos anos 70, se revelou um divisor de águas.
Alguns jornais, como a Folha, acatavam as orientações dos censores,
comunicadas por telex ou telefone, praticando a autocensura. Outros, como o
“Estado”, desafiavam as ordens, o que exigia a presença de censores na Redação,
para impedir que o material vetado fosse publicado. O jornal denunciava a
censura editando trechos de poesias no espaço aberto pela ação da censura.
Um dos episódios
mais polêmicos da relação entre mídia e ditadura foi a guinada editorial da
“Folha da Tarde”, da mesma empresa que edita a Folha. A partir de 1969,
durante a fase mais dura do regime, a “Folha da Tarde” –até então comandada por
jornalistas ligados à esquerda armada– foi entregue a profissionais associados
à polícia e chegou a cooperar com as forças da repressão, endossando versões
dos órgãos de segurança para esconder torturas e assassinatos de presos políticos.
A empresa Folha da
Manhã foi também acusada de emprestar veículos para órgãos da repressão. Se
ocorreu, não é possível dizer que a prática foi autorizada pela direção da
empresa.
Em meados dos 70,
a Folha acreditou no projeto de abertura e fez uma reforma editorial
que deu voz à sociedade civil, franqueando suas páginas a intelectuais de
oposição.
Em fins de 1983,
foi o primeiro jornal a encampar a embrionária campanha pelas Diretas Já, que,
embora não tenha passado no Congresso Nacional, contribuiu para o fim da
ditadura.
***
Oscar Pilagallo, jornalista, é autor de História
da Imprensa Paulista (Três Estrelas).
Nenhum comentário:
Postar um comentário