OCD 2 - Operação Condr: um antro de criminosos JPor José Levino, - Jornal A Verdade
Condor 1 de fevereiro de 2012 |
O
Condor é uma ave que voa imponente sobre a Cordilheira dos Andes e se alimenta,
principalmente, de cadáveres de outros animais. Por esta característica, foi
perfeitamente adequado o nome dado à operação que reuniu ditaduras
sul-americanas para eliminar seus opositores onde quer que estivessem.
A
ditadura militar paraguaia, sob o comando do general Alfredo Strossener, foi a
mais duradoura – 35 anos – de 1954 a 1989. O país tornou-se um refúgio de
bandidos das mais diferentes origens: fascistas italianos, nazistas alemães,
terroristas croatas e cubanos, anticomunistas latino-americanos, enfim, todos
acorriam para o Paraguai, o seu paraíso, onde eram tratados como “heróis
internacionais” e “Combatentes pela Liberdade”, leia-se, liberdade da burguesia
imperialista sugar até a última gota de sangue dos povos colonizados e dos
trabalhadores dos seus próprios países.
Desde
o final dos anos 60, oficiais das Forças Armadas sul-americanas mantinham
cooperação pontual em vista da repressão a opositores – comunistas, nacionalistas,
democratas. Estes laços foram desenvolvidos durante os treinamentos e lavagem
cerebral que receberam em escolas de formação policial dos Estados Unidos da
América do Norte (EUA), onde aprenderam a perseguir, infiltrar-se em
organizações de esquerda, prender, torturar e assinar barbaramente aqueles
considerados inimigos das classes dominantes.
Esta
cooperação tornou-se organizada e permanente quando Manoel Contreras,
chefe da DINA, a polícia política da ditadura chilena (1973-1990) propôs a
criação da “Operação Condor”. Não que a iniciativa fosse exatamente dele, que
não passava de títere da Agência Central Americana, a CIA, que deu a linha,
orientou e acompanhou todo o processo. Aliás, William Colby, diretor da
agência, afirmou alto e bom na época: “Os
Estados Unidos têm o direito de atuar ilegalmente em qualquer região do Mundo”.
Porém,
a Operação Condor só foi
formalizada em 1975, na XI Conferência
dos Exércitos Americanos,
realizada em Montevídéu, capital do Uruguai. Com a operação
Condor, a polícia política de
um país podia atuar livremente nos outros países envolvidos, prendendo, seqüestrando e torturando
pessoas.
Logo,
o objetivo da Operação foi criar uma coordenação operacional das forças
repressivas da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai para,
segundo a definição de um dos seus expoentes e braço direito de Contreras
“Primeiro, matar todos os subversivos; depois, os colaboradores; a seguir, os
simpatizantes, os indiferentes, e por último, os indecisos”. No ano de 1974, tal
pacto estava firmado. Os acordos permitiam a entrada clandestina de agentes de
um país no outro, seqüestro e entrega de militantes perseguidos, troca de
informações, enfim, tudo que fosse necessário ao alcance dos objetivos.
A turnê da morte
Francisco
Tenório Júnior, o Tenorinho, era um músico de 35 anos, integrante da banda que
acompanhava os cantores/compositores brasileiros Toquinho e Vinícius de Morais;
realizava com o grupo uma turnê no exterior. No dia 18 de março de 1976, saiu
do hotel em Buenos Aires para comprar cigarros e nunca mais apareceu. Dez anos
depois, a revista Senhor (hoje,
ISTOÉ) revelou que um
conselheiro da Embaixada do Brasil na capital argentina o visitou quando estava
preço na Escola Mecânica da Armada (ESMA). Poucos dias depois, ele foi
assassinado, depois de vários dias de tortura por marinheiros argentinos e
brasileiros, segundo Joaquim Pires Cerveira informações de um ex-marinheiro,
Cláudio Vallejos, que lembra o nome de um brasileiro, o major do Exército Souza
Baptista Vieira. Ele ouviu Vieira dizer que o músico era apenas amigo de
comunistas, mas isso bastava! O executor foi o famoso Alfredo Astiz, ex-capitão
da Marinha Argentina, acusado do assassinato de 5 mil pessoas e condenado à
prisão perpétua no ano passado, por crimes de lesa-humanidade.
Mais
de 30 mil militantes revolucionários, patriotas e democratas sul-americanos
foram torturados e assassinados pelo Condor, segundo o jornalista estadunidense
John Dinges. Além do músico citado, dezenas de brasileiros foram atingidos pela
operação. Emmanoel Bezerra dos Santos (1943-1973), dirigente do Partido
Comunista Revolucionário (PCR), fora enviado ao Chile e à Argentina para
dialogar com outras organizações de esquerda no exílio sobre a formação de uma
Frente Revolucionária. Foi mais uma vítima da “Condor”, tendo sido preso e
torturado até a morte. Um grupo de remanescentes da Vanguarda Popular
Revolucionária desapareceu na Foz do Iguaçu, fronteira Brasil/Paraguai. Entre
eles, Onofre Pinto, José Lavecchia, os irmãos Daniel e Joel de Carvalho, Vítor
Ramos e, provavelmente, Gilberto Farias Lima.
O
major Joaquim Pires Cerveira, dirigente da Frente de Libertação Nacional (FLN),
foi preso em Buenos Aires, como relata sua filha, a jornalista e historiadora
Neusah Cerveira: “Às 18 horas do dia 5 de dezembro de 1973, meu pai Joaquim
Pires Cerveira (…) se dirigiu a um encontro com seu companheiro de Organização
(…) João Batista de Rita Pereda. Atropelado e seqüestrado com Pereda no centro
de Buenos Aires pela Operação Condor, foram entregues à ditadura brasileira.
Meu pai foi assassinado em 13 de janeiro de 1974 no DOI-Codi da Barão de
Mesquita (RJ), tornando-se um desaparecido político.Dali para frente, a vida se
resumiu na busca da verdade e dos seus restos mortais.”
A
Comissão da Verdade e Reconciliação do Chile documentou os casos de 33 cidadãos
cidadãos chilenos presos por agentes brasileiros, argentinos e paraguaios e
entregues à DINA.
Ex-ministros
de Salvador Allende (Chile) foram alvo de atentados organizados pela Operação
Condor. No dia 30 de setembro de 1974, o general Carlos Pratts, ministro de
Estado de Allende e sua esposa Sofia Cuthbert morreram num atentado a
bomba em Buenos Aires. Orlando Letelier, outro ex-ministro do governo de
Allende foi executado em Washington, nas barbas da Casa Branca, no dia 21 de
setembro de 1976. O ex-vice-presidente da República do Chile, no governo
Allende, Bernardo Leighton, dirigente do Partido Democrata-Cristão e sua esposa
Ana Fresno foram baleados gravemente em Roma, mas sobreviveram. Eles reconheceram
os criminosos: Michael Townley, estadunidense, conhecido integrante da DINA,
que usava o codinome de Kenneth Enyart e sua mulher, Maria Inés Callejas,
chilena, cujo codinome era Ana Pizarro.
Expedientes
encontrados na Delegacia da Polícia Federal em Nova Iguaçu revelam a
perseguição de agentes brasileiros ao médico Agostin Goiburú Gimenez, do
Movimento Popular Colocado do Paraguai. Ele foi seqüestrado por policiais
brasileiros e levado para Assunção, onde foi torturado até a morte no Regimento
Escolta Presidencial.
A
participação brasileira na Operação Condor tornou-se pública com a tentativa de
seqüestro dos uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Díaz em 1978, numa ação
dos órgãos de repressão do Uruguai e do Brasil em Porto Alegre. Alertados por
um telefonema anônimo, o repórter Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco
foram conduzidos até um apartamento do bairro Menino Deus, onde surpreenderam
militares uruguaios e policiais brasileiros na fase final do seqüestro de
Lílian e Universindo, conseguindo frustrar a operação.
A Busca da Verdade
As
informações disponíveis sobre a Operação Condor são devidas ao empenho do
militante paraguaio Martin Almada, pedagogo e advogado paraguaio, que passou
anos no cárcere, onde foi submetido às mais cruéis torturas, e conseguidas em
1992, três anos após a queda do ditador Alfredo Strossner.
No
Brasil, pouco se obteve até o momento, apesar da Constituição Federal de 1988
garantir no seu art. 5º, inciso XXXIII que “Todos têm direito a receber dos
órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas na forma da lei, sob pena de
responsabilidade” .
Aluízio
Palmar, credenciado pela Comissão dos Mortos e Desaparecidos do Ministério da
Justiça, teve acesso ao arquivo da Delegacia da Polícia Federal na Foz do
Iguaçu. Constatou que foi ativa participação dos órgãos repressivos da ditadura
militar brasileira na Operação Condor, por intermédio da Assessoria Especial de
Informações e Segurança (Aesi). Esta organização tinha bases em Brasília, no
Rio de Janeiro, Curitiba, Foz do Iguaçu e Assunção. A Aesi mantinha
correspondência constante com os órgãos repressivos da Argentina, do Paraguai,
Uruguai e Chile.
A
Comissão Nacional da Verdade, criada no governo de Dilma Rousseff lançará uma
luz sobre a nossa história, permitindo efetivamente se conhecer o que ocorreu
nos vinte anos de ditadura, identificar os responsáveis e se fazer justiça?
Cecília
Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais compreende que houve acordos políticos
para esconder a verdade. É preciso que haja muita mobilização pressionando para
que a verdade venha à tona, as responsabilidades sejam definidas e a justiça
seja feita.
José Levino, historiador
Fontes de pesquisa
·
Operación
Condor, Pacto Criminal, Stella Calloni, Editorial de Ciencias Sociales, La
Habana, 2006.
·
La “Operación
Condor”: El terrorismo de Estado de alcance transnacional, Esteban Cuya,
pesquisador do Centro de Direitos Humanos de Nuremberg.
·
Aluízio Palmar,
jornalista, ex-preso político.