Quinta-feira, 26 de Junho de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 804
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MÍDIA E DITADURA
MD-6 - A censura
e o advento da TV
Por Nayara Clênia
Farias Monteiro em 01/12/2009 na edição 566
Referências
ANDRADE, João Batista. O povo fala: um cineasta na área de
jornalismo da TV brasileira. São Paulo: Senac, 2002.
LIMA, Fernando
Barbosa; PRIOLLI, Gabriel; MACHADO, Arlindo. Televisão e vídeo.
Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1985.
LINS e SILVA, Carlos Eduardo. Muito Além do Jardim Botânico.
São Paulo: Summus Editorial, 1988.
MATTOS, Sérgio. História da televisão brasileira / uma visão
econômica, social e política. São Paulo: Vozes, 2002.
REIS, Antonio Jr. O
percurso da televisão e do telejornalismo nos anos 70. Disponível em: <http://www.mnemocine.com.br/aruanda/tvtelejornalismo70s.htm>. Acesso em: 17 de setembro de 2009
Introdução
A ditadura militar
(1964-1985) foi um dos mais marcantes e tristes períodos da História do Brasil.
É evidente que a TV cumpriu uma função preponderante para que o golpe de 31 de
março de 1964 ocorresse e se mantivesse por 20 anos.
A censura reprimia
qualquer reportagem, ou programa que desagradasse os interesses dos militares.
Também havia uma censura econômica, já que o governo era o maior cliente
publicitário e ameaçava cortar verbas caso houvesse a publicação de uma matéria
indesejada. Carente de investimento, a TV cedeu às pressões do governo e se
autobeneficiou.
Com exceção da TV Cultura, todas as outras emissoras ajudaram o regime.
No entanto, a Rede Globo teve maior destaque, principalmente o Jornal
Nacional, que ganhou o apelido de "porta-voz da ditadura".
Diante disso, a importância deste artigo é
baseada na formação de opiniões na sociedade sobre o período de autoritarismo
do regime militar, cujo a televisão desempenhou um papel fundamental na
veiculação de informações, na maioria das vezes, favoráveis ao regime. Propõe,
a partir da investigação bibliográfica do contexto histórico-político-social da
época em questão, o esclarecimento da contradição existente a partir de 1964,
focalizando a projeção que a ditadura fez sobre a TV, como reconhecimento da
capacidade de difundir a cultura de massa e a ideologia desejada.
A ditadura sem disfarces
A ditadura militar
no Brasil foi um governo iniciado em abril de 1964, após um golpe articulado
pelas Forças Armadas em 31 de março do mesmo ano, contra o governo do
presidente João Goulart.
Entre as principais
razões que motivaram o golpe estão: o medo da implantação do conjunto de
reformas, especialmente a reforma agrária, que traria como conseqüência
imediata a divisão das grandes propriedades – os latifúndios – e a diminuição
das regalias das empresas estrangeiras em prol do desenvolvimento do Brasil.
No dia 7 de abril,
os ministros militares deram início à série de "Atos Institucionais",
artificialismos criados para dar legitimidade jurídica a ações políticas
contrárias à Constituição Brasileira de 1946 que se sucederam até o número
dezessete.
Durante o regime
militar, houve um fortalecimento do poder central, especialmente do poder
Executivo, caracterizando um regime de exceção, pois o Executivo se atribuiu a
função de legislar, em detrimento dos outros poderes estabelecidos pela
Constituição de 1946. O Alto Comando das Forças Armadas passou a controlar a
sucessão presidencial, indicando um candidato militar que era referendado pelo
Congresso Nacional.
Os generais
militares que governaram o Brasil foram: Castello Branco (1964-1967), Arthur da
Costa e Silva (1967-1969), Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), Ernesto Geisel
(1974-1979), João Baptista Figueiredo (1979-1985). Além disso, uma junta
militar formada pelos ministros Aurélio de Lira Tavares (Exército), Augusto
Rademaker (Marinha) e Márcio de Sousa e Melo (Aeronáutica) governou de 31 de
agosto de 1969 a 30 de outubro de 1969.
Querendo impor um
modelo social, político e econômico para o Brasil, a ditadura militar tentou
forjar um ambiente democrático, e não se destacou por um governante definido ou
personalista. Durante sua vigência, a ditadura militar não era oficialmente
conhecida por este nome, mas pelo nome de "revolução" – os golpistas
de 1964 sempre denominaram assim seu feito – e seus governos eram considerados
"revolucionários".
A liberdade de
expressão e de organização era quase inexistente. Partidos políticos,
sindicatos, agremiações estudantis e outras organizações representativas da
sociedade foram extintas ou sofreram intervenções do governo. Os meios de
comunicação e as manifestações artísticas foram submetidos à censura. A década
de 1960 iniciou também, um período de grandes modificações na economia do
Brasil: a modernização da indústria e dos serviços, a concentração de renda, a
abertura ao capital estrangeiro e o endividamento externo.
Anos de chumbo
Por censura,
basicamente, entende-se o exame a que são submetidos trabalhos artísticos ou
informativos, com base em critérios morais ou políticos, para decidir sobre a
conveniência de serem ou não liberados para apresentação ao público em geral. A
censura foi uma das armas de que o regime militar se valeu para calar seus
opositores e impedir que qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses
fosse amplamente divulgada.
Pode-se dizer que,
durante o regime militar, a censura passou por três fases. A primeira se
estendeu de 31 de março de 1964 à publicação do Ato Institucional nº 5, em
dezembro de 1968, e teve um momento mais intenso nos meses que sucederam ao
golpe, abrandando-se a partir de então. A segunda coincidiu com a publicação do
AI-5, em 13 de dezembro de 1968, que institucionalizou o caráter ditatorial do
regime e tornou a censura implacável até o início do governo Geisel, em 1975.
Por fim, durante os governos Geisel e Figueiredo, a censura tornou-se
gradativamente mais branda, até o restabelecimento do regime democrático.
Após a promulgação
do AI-5, todo e qualquer veículo de comunicação deveria ter a sua pauta
previamente aprovada e sujeita a inspeção local por agentes autorizados.
Obviamente, muitos materiais foram censurados. As equipes envolvidas,
impossibilitadas de publicar maiores esclarecimentos, tomavam medidas diversas.
Algumas publicações impressas simplesmente deixavam trechos inteiros em branco.
Outros publicavam receitas culinárias estranhas, que nunca resultavam no
alimento proposto por elas.
Além de protestar
contra a falta de liberdade de imprensa, tentava-se fazer com que a população
brasileira passasse a desconfiar das torturas e mortes por motivos políticos,
desconhecidas pela maioria. A violência do Estado era notada nos confrontos
policiais e em conhecidos que desapareciam, mas, não era possível a muitos
imaginar as proporções reais de tudo isso. Aparentemente, o silêncio imposto em
relação às torturas era para que menos pessoas se revoltassem e a situação se
tornasse, então, incontrolável.
Além da resistência
ora camuflada, ora explícita da imprensa, artistas vinculados à produção
musical encontraram como forma de protesto e denúncia compor obras que
possuíssem duplo sentido, tentando alertar aos mais atentos, e tentando
despistar a atenção dos militares, que geralmente descobriam que a música se
tratava de uma crítica a eles apenas após a aprovação e sucesso entre o público
das mesmas.
O decreto-lei
1.077, de 21 de janeiro de 1970 instituiu a censura prévia, exercida de dois
modos: ou uma equipe de censores instalava-se permanentemente na redação dos
jornais e das revistas, para decidir o que poderia ou não ser publicado, ou os
veículos eram obrigados a enviar antecipadamente o que pretendiam publicar para
a Divisão de Censura do Departamento de Polícia Federal, em Brasília.
Apesar de o governo
militar começar a diminuir a pressão sobre a imprensa escrita, entre 1975 e
1978, com o fim da censura prévia, no que se refere aos meios de comunicação
eletrônica, a vigilância permaneceu até o restabelecimento do regime
democrático, sob a presidência de José Sarney, e a entrada em vigência da
Constituição de 1988, que em seu artigo de nº 5 estipula a liberdade de
manifestação do pensamento.
A ditadura de olho na TV
Na primeira década
de surgimento no Brasil, a TV caminhava a passos lentos. O momento era de
descoberta e aprendizado.
A lentidão da TV
permaneceu até a ditadura militar, quando, "coincidentemente",
começou a se desenvolver. A televisão, mais acessível ao grande público, aliada
ao despertar do potencial da imagem e seu caráter documental, voltou-se para
entreter e doutrinar o povo.
A TV foi a arma do
governo militar como instrumento de integração nacional e valeu-se do seu poder
para se desenvolver. Até 1965, apenas 15% das famílias brasileiras contavam com
um aparelho de televisão. Foi justamente nesse ano que o governo fechou os
olhos para o surgimento da que seria a maior emissora de televisão do país, a
Rede Globo de Televisão.
Aliada fiel do
regime de exceção incrustado no poder de Estado, a Rede Globo desempenharia
papel fundamental na consolidação do autoritarismo no Brasil. Entre 1965 e
1982, o grupo de Roberto Marinho passou de detentor de uma única concessão de
televisão, no Rio de Janeiro, à condição de quarta maior rede de TV do mundo.
De monopolizadora
virtual de audiência, a Rede Globo passou naturalmente à condição de formidável
concentradora de verbas publicitárias, o que, numa economia de mercado, acaba
por inviabilizar qualquer concorrência significativa. A consolidação desse
monopólio por uma só indústria cultural se deu paralelamente à consolidação no
Brasil de um modelo econômico excludente, levado a termo por um regime
centralizador e autoritário, do qual a Rede Globo foi importante parceira. Do
ponto de vista econômico, foi fundamental o seu papel na integração de um país
de dimensões continentais, via integração do seu, ainda que reduzido, mercado
consumidor. Do ponto de vista político, a programação da Globo foi
indispensável como veículo de uma mensagem nacional de otimismo
desenvolvimentista, fundamental para a sustentação e legitimação do
autoritarismo.
Assim, apoiado por
essa aliança de interesses imediatos com a Rede Globo de Televisão, o regime
autoritário acumulou forças para impor seu modelo político e econômico a uma
nação manietada.
De acordo com o livro Muito Além do Jardim Botânico, de
Carlos Eduardo Lins da Silva, um dos grandes responsáveis pela liderança de
audiência da Globo foi Walter Clark. Para ele, não bastava ser líder de
audiência. Era preciso criar o hábito de assistir à Globo. Coincidentemente,
o JN estreou no período de maior endurecimento do regime
militar, em 1969. O Ministério das Comunicações foi criado neste mesmo ano. O
que interessava à ditadura era a chamada "Integração Nacional".
O JN foi o primeiro transmitido em rede. O tom formal e frio,
com informações que interessavam diretamente ao regime, deu ao jornal o apelido
de "porta-voz da ditadura".
Na década de 70, o Estado torna-se mais autoritário e, portanto, mais
dependente da seu porta-voz eletrônico: a televisão. E quanto maior era a
necessidade de comunicação do regime, mais a televisão brasileira se beneficiava
e se desenvolvia. Um exemplo clássico da relação TV-Estado foi uma declaração
do presidente Emílio Médici. Em março de 1973, ele falou ao Jornal
Nacional:
"Sinto-me
feliz todas as noites quando ligo a televisão para assistir ao jornal. [...]
Enquanto as notícias dão conta de greves, agitações, atentados e conflitos em
várias partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao desenvolvimento. É como
se eu tomasse um tranqüilizante, após um dia de trabalho" (Lima, 1985, p.
36).
Num país como o
Brasil, com elevada taxa de analfabetismo e baixo poder aquisitivo, a televisão
torna-se referência, direcionando pensamentos individuais e coletivos.
Gabriel Priolli
(1985, p. 22) conclui: "Espelho cor-de-rosa do regime militar, a televisão
brasileira não nasceu nem morreu como ele, mas lhe deve a potência que é
hoje."
5 Considerações finais
No afã de
disseminar os ideais políticos da ditadura, o regime militar despertou sua
atenção para os meios de comunicação de massa como porta-voz de seus próprios
interesses. Carente de investimentos, a mídia cedeu às pressões do governo e se
autobeneficiou. Portanto, quanto maior era a necessidade de comunicação do
regime, mais a televisão brasileira se beneficiava e se desenvolvia.
Enquanto a imprensa
em sentido estrito sofria alguns duros baques políticos e econômicos durante a
ditadura, a televisão passava por um processo de rápida consolidação e
crescimento, apoiado por iniciativas governamentais. Só que esse apoio viria
para um grupo específico: aquele comandado pelo empresário Roberto Marinho que,
desde o início da década de 60, se preparava para entrar de rijo no setor da
televisão, tendo firmado inclusive acordo operacional e financeiro com o grupo
Time-Life, norte-americano. Acordo questionado por outros grupos de comunicação
e por políticos no Congresso, que gerou, inclusive, uma rumorosa Comissão
Parlamentar de Inquérito.
A Constituição
Federal, em seu artigo 160, proibia a associação de grupos nacionais de
comunicação com grupos estrangeiros, mas os militares fizeram vista grossa e
rejeitaram a CPI, instituída em 1966, para julgar os acordos entre a Globo e o
grupo norte-americano Time-Life (Priolli, 1985, p.25).
Paradoxalmente, a
partir da abertura política, a televisão passa a ter um controle mais efetivo
sobre a produção. Enquanto o governo abre-se para a democracia, as emissoras de
TV fecham-se na autocensura. Dessa forma, os meios de comunicação de massa,
antes submetidos ao regime ditatorial, agora estão subordinados à linha
editorial das empresas lideradas por um pequeno grupo de empresários que
promovem a cultura de massa.
***
Estudante de Comunicação Social, Campina Grande, PB
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