OCD 10 - Kenneth Maxwell
Um Inglês nos Trópicos
“Há um telegrama (do embaixador
americano na Argentina) que menciona explicitamente a Operação Condor (...)
Provei que existia o conhecimento da Operação Condor (...). Os americanos
ainda não querem lidar com isso. Não querem enfrentar essa parte da política
externa americana.”
|
O primeiro contato de Kenneth Maxwell com o Brasil foi
assistindo ao filme Orfeu Negro, do cineasta Marcel Camus, em 1962, quando
ainda cursava a graduação em Historia na universidade de Cambridge, na
Inglaterra. A obra despertaria a sua curiosidade sobre um país do qual ainda
não sabia quase nada. Em 1965, Maxwell desembarca no Rio de Janeiro com uma
bolsa de pós-graduação para estudar a formação do Império brasileiro. Foi a
Minas para “ver a geografia e as cidades históricas”. A visita a Ouro Preto lhe
causou um forte impacto, e ele volta ao Rio levando mais a sério a idéia de uma
Conjuração em Minas.
Publicada no Brasil em 1977, sua obra, “A Devassa da
Devassa”, revolucionou a forma como era pensada a Inconfidência Mineira.
Maxwell ganhou notoriedade e tornou-se uma das maiores autoridades estrangeiras
em estudos sobre o Brasil. Escreveu ainda sobre o Marquês de Pombal e, em seu
livro mais recente, sobre a Revolução dos Cravos.
O cuidado com a pesquisa documental levou-o a
importantes descobertas e a alguns problemas políticos. Maxwell continua
empenhado em trazer à tona a verdade sobre a atuação dos EUA nos governos
militares latino-americanos: “Os americanos ainda não querem enfrentar essa
parte da história da política externa do país”
Atualmente, é professor do Departamento de Historia e
diretor do Programa de Estudos Brasileiros do Centro de Estudos
Latino-Americanos (DRCLAS) da Universidade de Harvard. O historiador conversou
com a Revista de História no escritório da Harvard em São Paulo.
Revista de História - Onde e como você começa a estudar e a se
aproximar da História ?
Kenneth
Maxwell - Cresci numa zona rural no sudoeste da Inglaterra.
Minha formação secundária foi em um internato, onde tive bons professores. O
sistema universitário inglês era extremamente pequeno, e, historiadores, que
hoje estariam em universidades, lecionavam em escolas. Beneficiei-me muito com
isso. Aos 15 anos, entrei numa pesquisa séria mergulhando em inventários do
século XVI: assim podia escapar um pouco da escola interna.. A minha mãe também
era professora e tinha grande interesse em História. Meus avós maternos eram
muito envolvidos nos movimentos sociais ingleses, e na criação do Partido
Trabalhista. Falávamos muito sobre História. Meu pai – de uma família
conservadora – era um grande admirador do Winston Churchill, mas a sogra dele –
liberal – não gostava. Todas às vezes que eles almoçavam juntos, o papo era
sobre política – ela de um lado e ele do outro. Anos depois, soube que este
antagonismo de minha avó contra o Churchill era porque na década antes da
Primeira Guerra Mundial ele foi – quando era ministro do interior – responsável
por uma grande repressão às mulheres que lutavam pelo direito de votar, e isso
ela não suportava.
RH- E a sua aproximação com o Brasil e com a história do Brasil ?
KM- Um ano
depois de me formar em Cambridge, eu não sabia bem o que faria da vida. Viajei
o mundo ficando uns seis meses na Espanha e seis meses em Lisboa. Nessa época
li um livro muito bom do professor Stanley Stein, chamado Vassouras: A
Brazilian Coffee County, 1850-1900. [verbete]. Ele era professor em Princeton.
Sabia que ele só aceitava orientar um ou dois estudante por ano. Mesmo assim,
participei de uma seleção para Princeton e fui aceito. Por acaso, cheguei nos
Estados Unidos num momento que se estava dando muitas bolsas para estudar fora
do país. Depois de uns nove meses consegui uma bolsa para o Brasil. Mas tudo
isso sem nenhuma programação. Eu estava pensando em escrever um livro sobre a
Independência no Brasil e a formação do Império brasileiro. Esse era o projeto,
e eu fui nessa linha durante dois ou três anos, fazendo pesquisa sobre isso.
·O primeiro contato de Kenneth Maxwell com o Brasil foi assistindo
ao filme Orfeu Negro, do cineasta Marcel Camus, em 1962, quando ainda cursava a
graduação em Historia na universidade de Cambridge, na Inglaterra. A obra
despertaria a sua curiosidade sobre um país do qual ainda não sabia quase nada.
Em 1965, Maxwell desembarca no Rio de Janeiro com uma bolsa de pós-graduação
para estudar a formação do Império brasileiro. Foi a Minas para “ver a
geografia e as cidades históricas”. A visita a Ouro Preto lhe causou um forte
impacto, e ele volta ao Rio levando mais a sério a idéia de uma Conjuração em
Minas.
Publicada no
Brasil em 1977, sua obra, “A Devassa da Devassa”, revolucionou a forma como era
pensada a Inconfidência Mineira. Maxwell ganhou notoriedade e tornou-se uma das
maiores autoridades estrangeiras em estudos sobre o Brasil. Escreveu ainda
sobre o Marquês de Pombal e, em seu livro mais recente, sobre a Revolução dos
Cravos.
O cuidado com
a pesquisa documental levou-o a importantes descobertas e a alguns problemas
políticos. Maxwell continua empenhado em trazer à tona a verdade sobre a
atuação dos EUA nos governos militares latino-americanos: “Os americanos ainda
não querem enfrentar essa parte da história da política externa do país”
Atualmente, é
professor do Departamento de Historia e diretor do Programa de Estudos
Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS) da Universidade de
Harvard. O historiador conversou com a Revista de História no escritório da
Harvard em São Paulo.
Revista de História - Onde e como você começa a estudar e a se aproximar da História ?
Kenneth Maxwell - Cresci numa zona rural no sudoeste da Inglaterra. Minha
formação secundária foi em um internato, onde tive bons professores. O sistema
universitário inglês era extremamente pequeno, e, historiadores, que hoje
estariam em universidades, lecionavam em escolas. Beneficiei-me muito com isso.
Aos 15 anos, entrei numa pesquisa séria mergulhando em inventários do século
XVI: assim podia escapar um pouco da escola interna.. A minha mãe também era
professora e tinha grande interesse em História. Meus avós maternos eram muito
envolvidos nos movimentos sociais ingleses, e na criação do Partido
Trabalhista. Falávamos muito sobre História. Meu pai – de uma família
conservadora – era um grande admirador do Winston Churchill, mas a sogra dele –
liberal – não gostava. Todas às vezes que eles almoçavam juntos, o papo era
sobre política – ela de um lado e ele do outro. Anos depois, soube que este
antagonismo de minha avó contra o Churchill era porque na década antes da
Primeira Guerra Mundial ele foi – quando era ministro do interior – responsável
por uma grande repressão às mulheres que lutavam pelo direito de votar, e isso
ela não suportava.
RH- E a sua aproximação com o Brasil e com a história do Brasil ?
KM- Um ano depois de me formar em Cambridge, eu não sabia bem
o que faria da vida. Viajei o mundo ficando uns seis meses na Espanha e seis
meses em Lisboa. Nessa época li um livro muito bom do professor Stanley Stein,
chamado Vassouras: A Brazilian Coffee County, 1850-1900. [verbete]. Ele era professor
em Princeton. Sabia que ele só aceitava orientar um ou dois estudante por ano.
Mesmo assim, participei de uma seleção para Princeton e fui aceito. Por acaso,
cheguei nos Estados Unidos num momento que se estava dando muitas bolsas para
estudar fora do país. Depois de uns nove meses consegui uma bolsa para o
Brasil. Mas tudo isso sem nenhuma programação. Eu estava pensando em escrever
um livro sobre a Independência no Brasil e a formação do Império brasileiro.
Esse era o projeto, e eu fui nessa linha durante dois ou três anos, fazendo
pesquisa sobre isso.
RH- Foi aí que começou a sua pesquisa sobre Minas, sobre Inconfidência?
KM- A
Inconfidência não era a parte principal dos meus estudos. Na verdade, o meu
propósito era escrever um livro sobre a Independência no Brasil e a formação do
Império brasileiro. E foi impossível eu descobrir o que havia acontecido no
começo do século XIX, sem compreender antes o que estava passando por aqui no
século XVIII. Então comecei a olhar para os arquivos do século XVIII e as
coisas que encontrei lá não eram as mesmas que eu li sobre a história oficial.
RH- Você foi pesquisar em Minas Gerais também?
Achei importante ir para Minas para ver a geografia e
as cidades históricas . Isso foi em 67. Quando cheguei lá em Ouro Preto disse:
“oh, que coisa curiosa”. Me pareceu um lugar propício para ser o palco de uma
rebelião, pois seria muito difícil para Portugal suprimir uma revolta séria
dentro daquelas montanhas. Fiquei lá várias semanas hospedado no velho Hotel
Toffolo do outro lado da Casa dos Contos, e o diretor do Museu da Inconfidência
abriu muitos arquivos para que eu pesquisasse. Quando voltei ao Rio tive um
encontro muito curioso. Fui convidado por um amigo que trabalhava na embaixada
inglesa para uma festa em um grande apartamento no Flamengo. Encontrei com um
jovem lá e ele me perguntou o que eu estava fazendo no Brasil: “Estou aqui há
dois anos, interessado no Brasil do século XVIII”. Aí ele diz “Ah, o que você
acha das perguntas feitas ao Alvares Joaquim da Silva, no dia 18 de janeiro de
1790, nos Autos da Devassa, volume 4, página 47?”. Ele ficou chocado por eu não
ter lido, na época, os Autos da Devassa. Bem, esse rapaz era o Elio Gaspari.
Pensei: “na volta para casa eu tenho que ler os Autos da Devassa”. Eu estava pensando
que a minha tese havia acabado, mas vi que ainda havia muita coisa para ler.
Precisei de três anos de pesquisa mais para fechar.
RH-
Como era pesquisar nos arquivos do Rio de Janeiro?
KM- Na época,
a Biblioteca Nacional estava muito descuidada, foi um daqueles períodos de
falta de meios; eu não sei, não estava muito consciente disso na época. Mas uma
coisa boa foi ganhar acesso relativamente livre para pesquisar nos arquivos da
Biblioteca Nacional. Com isso, eu podia olhar tudo o que estava dentro das
gavetas: entrar, tirar as coisas e ver. Isso foi essencial porque você podia
olhar para as documentações fiscais, onde tinham todos os nomes importantes. E
acho isso curioso porque todo mundo diz que eles são poetas e coisas assim, mas
nessa documentação já aparecem como homens de negócios, fiadores,
desembargadores e advogados ricos.
RH- Você dialogava com os pesquisadores brasileiros da época?
Fiquei muito ligado ao Marcos Carneiro de Mendonça.
Passei vários meses trabalhando no palacete casa dele no Cosme Velho. O
primeiro brasileiro que encontrei em Princeton foi o Sérgio Buarque de Holanda.
Isso foi em 65, meu primeiro ano lá. Eu fui chamado pelo Stanley Stein e ele
disse “temos um brasileiro aqui, eu acho importante que você entre em contato
com ele”. O Sergio era amigo do Stanley. Conversamos por muito tempo. Havia um
filho jovem com ele, acho que era o Chico Buarque. Alguns anos depois, saindo
do Rio de Janeiro de navio para Europa, encontrei com o Carlos Guilherme Mota
e, por meio dele, nos anos 70 entrei em contato fraternal com vários
historiadores em São Paulo, incluindo o Fernando Novais, José Jobson de Arruda,
e José Sebastião Witter. Outros historiadores com quem tive convivência foram o
Francisco Iglesias de Minas e no Rio, Raymundo Faoro e José Honorio Rodrigues,
que leu a minha tese a pedido do Stanley Stein. Depois conheci também a Laura
Mello de Souza, Caio Boschi e Junia Furtado
O primeiro contato de
Kenneth Maxwell com o Brasil foi assistindo ao filme Orfeu Negro, do cineasta
Marcel Camus, em 1962, quando ainda cursava a graduação em Historia na
universidade de Cambridge, na Inglaterra. A obra despertaria a sua curiosidade
sobre um país do qual ainda não sabia quase nada. Em 1965, Maxwell desembarca
no Rio de Janeiro com uma bolsa de pós-graduação para estudar a formação do
Império brasileiro. Foi a Minas para “ver a geografia e as cidades históricas”.
A visita a Ouro Preto lhe causou um forte impacto, e ele volta ao Rio levando
mais a sério a idéia de uma Conjuração em Minas. Publicada no Brasil em 1977,
sua obra, “A Devassa da Devassa”, revolucionou a forma como era pensada a
Inconfidência Mineira. Maxwell ganhou notoriedade e tornou-se uma das maiores
autoridades estrangeiras em estudos sobre o Brasil. Escreveu ainda sobre o
Marquês de Pombal e, em seu livro mais recente, sobre a Revolução dos Cravos.O
cuidado com a pesquisa documental levou-o a importantes descobertas e a alguns
problemas políticos. Maxwell continua empenhado em trazer à tona a verdade
sobre a atuação dos EUA nos governos militares latino-americanos: “Os
americanos ainda não querem enfrentar essa parte da história da política
externa do país”Atualmente, é professor do Departamento de Historia e diretor
do Programa de Estudos Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos
(DRCLAS) da Universidade de Harvard. O historiador conversou com a Revista de
História no escritório da Harvard em São Paulo.Revista de História - Onde e como
você começa a estudar e a se aproximar da História ?
Kenneth Maxwell - Cresci numa zona rural no sudoeste da
Inglaterra. Minha formação secundária foi em um internato, onde tive bons
professores. O sistema universitário inglês era extremamente pequeno, e,
historiadores, que hoje estariam em universidades, lecionavam em escolas.
Beneficiei-me muito com isso. Aos 15 anos, entrei numa pesquisa séria
mergulhando em inventários do século XVI: assim podia escapar um pouco da
escola interna.. A minha mãe também era professora e tinha grande interesse em
História. Meus avós maternos eram muito envolvidos nos movimentos sociais
ingleses, e na criação do Partido Trabalhista. Falávamos muito sobre História.
Meu pai – de uma família conservadora – era um grande admirador do Winston
Churchill, mas a sogra dele – liberal – não gostava. Todas às vezes que eles almoçavam
juntos, o papo era sobre política – ela de um lado e ele do outro. Anos depois,
soube que este antagonismo de minha avó contra o Churchill era porque na década
antes da Primeira Guerra Mundial ele foi – quando era ministro do interior –
responsável por uma grande repressão às mulheres que lutavam pelo direito de
votar, e isso ela não suportava.
RH- E a sua aproximação com o Brasil e com a
história do Brasil ?
KM-
Um ano depois de me formar em Cambridge, eu não sabia bem o que faria da vida.
Viajei o mundo ficando uns seis meses na Espanha e seis meses em Lisboa. Nessa
época li um livro muito bom do professor Stanley Stein, chamado Vassouras: A
Brazilian Coffee County, 1850-1900. [verbete]. Ele era professor em Princeton.
Sabia que ele só aceitava orientar um ou dois estudante por ano. Mesmo assim,
participei de uma seleção para Princeton e fui aceito. Por acaso, cheguei nos
Estados Unidos num momento que se estava dando muitas bolsas para estudar fora
do país. Depois de uns nove meses consegui uma bolsa para o Brasil. Mas tudo
isso sem nenhuma programação. Eu estava pensando em escrever um livro sobre a
Independência no Brasil e a formação do Império brasileiro. Esse era o projeto,
e eu fui nessa linha durante dois ou três anos, fazendo pesquisa sobre isso.
·
RH- Foi aí que
começou a sua pesquisa sobre Minas, sobre Inconfidência?
KM- A Inconfidência não era a parte principal
dos meus estudos. Na verdade, o meu propósito era escrever um livro sobre a
Independência no Brasil e a formação do Império brasileiro. E foi impossível eu
descobrir o que havia acontecido no começo do século XIX, sem compreender antes
o que estava passando por aqui no século XVIII. Então comecei a olhar para os
arquivos do século XVIII e as coisas que encontrei lá não eram as mesmas que eu
li sobre a história oficial.
RH- Você foi pesquisar em Minas Gerais
também?
Achei importante ir para Minas para ver a
geografia e as cidades históricas . Isso foi em 67. Quando cheguei lá em Ouro
Preto disse: “oh, que coisa curiosa”. Me pareceu um lugar propício para ser o
palco de uma rebelião, pois seria muito difícil para Portugal suprimir uma
revolta séria dentro daquelas montanhas. Fiquei lá várias semanas hospedado no
velho Hotel Toffolo do outro lado da Casa dos Contos, e o diretor do Museu da
Inconfidência abriu muitos arquivos para que eu pesquisasse. Quando voltei ao
Rio tive um encontro muito curioso. Fui convidado por um amigo que trabalhava
na embaixada inglesa para uma festa em um grande apartamento no Flamengo.
Encontrei com um jovem lá e ele me perguntou o que eu estava fazendo no Brasil:
“Estou aqui há dois anos, interessado no Brasil do século XVIII”. Aí ele diz
“Ah, o que você acha das perguntas feitas ao Alvares Joaquim da Silva, no dia
18 de janeiro de 1790, nos Autos da Devassa, volume 4, página 47?”. Ele ficou
chocado por eu não ter lido, na época, os Autos da Devassa. Bem, esse rapaz era
o Elio Gaspari. Pensei: “na volta para casa eu tenho que ler os Autos da
Devassa”. Eu estava pensando que a minha tese havia acabado, mas vi que ainda
havia muita coisa para ler. Precisei de três anos de pesquisa mais para fechar.
RH-
Como era pesquisar nos arquivos do Rio de Janeiro?
KM- Na época, a Biblioteca Nacional estava
muito descuidada, foi um daqueles períodos de falta de meios; eu não sei, não
estava muito consciente disso na época. Mas uma coisa boa foi ganhar acesso
relativamente livre para pesquisar nos arquivos da Biblioteca Nacional. Com
isso, eu podia olhar tudo o que estava dentro das gavetas: entrar, tirar as
coisas e ver. Isso foi essencial porque você podia olhar para as documentações
fiscais, onde tinham todos os nomes importantes. E acho isso curioso porque
todo mundo diz que eles são poetas e coisas assim, mas nessa documentação já
aparecem como homens de negócios, fiadores, desembargadores e advogados ricos.
RH- Você dialogava com os pesquisadores
brasileiros da época?
Fiquei muito ligado ao Marcos Carneiro de
Mendonça. Passei vários meses trabalhando no palacete casa dele no Cosme Velho.
O primeiro brasileiro que encontrei em Princeton foi o Sérgio Buarque de
Holanda. Isso foi em 65, meu primeiro ano lá. Eu fui chamado pelo Stanley Stein
e ele disse “temos um brasileiro aqui, eu acho importante que você entre em
contato com ele”. O Sergio era amigo do Stanley. Conversamos por muito tempo.
Havia um filho jovem com ele, acho que era o Chico Buarque. Alguns anos depois,
saindo do Rio de Janeiro de navio para Europa, encontrei com o Carlos Guilherme
Mota e, por meio dele, nos anos 70 entrei em contato fraternal com vários historiadores
em São Paulo, incluindo o Fernando Novais, José Jobson de Arruda, e José
Sebastião Witter. Outros historiadores com quem tive convivência foram o
Francisco Iglesias de Minas e no Rio, Raymundo Faoro e José Honorio Rodrigues,
que leu a minha tese a pedido do Stanley Stein. Depois conheci também a Laura
Mello de Souza, Caio Boschi e Junia Furtado.
·
RH- Foi um desafio o estudo que você fez
sobre Pombal? Como isso foi recebido em Portugal ?
KM- É curioso
como os portugueses acham que uma pessoa que escreve sobre Pombal [verbete]
deve gostar de Pombal. Ele era um homem muito feroz, ditador e não escondia em
nada isso. E sempre foi muito bem visto no século XIX pelo setor liberal
português. Mas há ainda uma parte da população portuguesa, descendente da aristocracia
que foi reprimida por Pombal, que nunca o perdoou. Os jesuítas também não
esquecem da atuação de Pombal. Cada vez que eu fazia uma palestra sobre ele,
havia um jesuíta lá assistindo. Eles são muito bons historiadores, mas há
jesuítas que estão lá para compilar qualquer coisa sobre Pombal. Ele esteve
muito envolvido na ascensão do poder do Estado sobre a Igreja. Mas foi apoiado
por grande parte da Igreja Católica que tinha interesse nesse reformismo contra
o poder do Vaticano. E não é só em Portugal e na Espanha não: o iluminismo
napolitano também deu um forte apoio. E isso ainda não é muito bem aceito pela
Igreja Católica por ser fortemente contra o poder da cúria. Eu entro um pouco
em Pombal nessa discussão e também nessa idéia que o iluminismo tem duas
partes: uma liberal, constitucional, mas outra parte muito ligada ao Estado, da
utilização, racionalização do poder do Estado. O paradoxo de Pombal é que ele
era iluminado mas também duro e ditador.
RH- Você acha que seus trabalhos esgotaram os estudos sobre Pombal? Ou
ainda há aspectos a serem descobertos?
KM- Não gosto
da idéia de esgotar um assunto. Prefiro abrir novas perspectivas. A Devassa da
Devassa abriu caminhos, e também o trabalho sobre Pombal. Há milhares de
assuntos lá que nenhuma história sozinha pode absorver. Assuntos como a Igreja
Católica, a filosofia de reformas burocráticas, a codificação das novas leis, a
história jurídica e da família de Pombal – de quem sabemos pouco. Nenhum
historiador acha bom estar fechando o assunto.
RH- O seu trabalho de historiador foi beneficiado pela sua distância
em relação à realidade do Brasil,?
KM-.
Francamente, em algumas coisas isso ajuda e em outras não. É importante ser
sempre um historiador sério– no próprio país ou em um outro–, poder usar as mesmas
técnicas, a mesma honestidade ou integridade de como utilizar as fontes. É
claro que os estrangeiros acabam ignorando certos aspectos, mas ao mesmo tempo
podem as vezes escapar um pouco dos preconceitos do próprio país – lá ou aqui.
RH- E como a forma como se faz História aqui é vista lá fora?
KM- Às vezes
existe um preconceito entre os historiadores europeus e americanos sobre
qualquer história que não seja deles. Acham que não existe uma história séria
no Brasil. Acham que o terceiro mundo não é nada... Eles pensam que na América
Latina realmente não há História com o mesmo peso, com a mesma documentação. Eu
sempre rejeitei fortemente esta idéia
·O primeiro contato de Kenneth Maxwell com o Brasil foi assistindo
ao filme Orfeu Negro, do cineasta Marcel Camus, em 1962, quando ainda cursava a
graduação em Historia na universidade de Cambridge, na Inglaterra. A obra
despertaria a sua curiosidade sobre um país do qual ainda não sabia quase nada.
Em 1965, Maxwell desembarca no Rio de Janeiro com uma bolsa de pós-graduação
para estudar a formação do Império brasileiro. Foi a Minas para “ver a
geografia e as cidades históricas”. A visita a Ouro Preto lhe causou um forte
impacto, e ele volta ao Rio levando mais a sério a idéia de uma Conjuração em
Minas.
Publicada no
Brasil em 1977, sua obra, “A Devassa da Devassa”, revolucionou a forma como era
pensada a Inconfidência Mineira. Maxwell ganhou notoriedade e tornou-se uma das
maiores autoridades estrangeiras em estudos sobre o Brasil. Escreveu ainda
sobre o Marquês de Pombal e, em seu livro mais recente, sobre a Revolução dos
Cravos.
O cuidado com
a pesquisa documental levou-o a importantes descobertas e a alguns problemas
políticos. Maxwell continua empenhado em trazer à tona a verdade sobre a
atuação dos EUA nos governos militares latino-americanos: “Os americanos ainda
não querem enfrentar essa parte da história da política externa do país”
Atualmente, é
professor do Departamento de Historia e diretor do Programa de Estudos
Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS) da Universidade de
Harvard. O historiador conversou com a Revista de História no escritório da
Harvard em São Paulo.
Revista de História - Onde e como você começa a estudar e a se aproximar da História ?
Kenneth Maxwell - Cresci numa zona rural no sudoeste da Inglaterra. Minha
formação secundária foi em um internato, onde tive bons professores. O sistema
universitário inglês era extremamente pequeno, e, historiadores, que hoje
estariam em universidades, lecionavam em escolas. Beneficiei-me muito com isso.
Aos 15 anos, entrei numa pesquisa séria mergulhando em inventários do século
XVI: assim podia escapar um pouco da escola interna.. A minha mãe também era
professora e tinha grande interesse em História. Meus avós maternos eram muito
envolvidos nos movimentos sociais ingleses, e na criação do Partido
Trabalhista. Falávamos muito sobre História. Meu pai – de uma família
conservadora – era um grande admirador do Winston Churchill, mas a sogra dele –
liberal – não gostava. Todas às vezes que eles almoçavam juntos, o papo era
sobre política – ela de um lado e ele do outro. Anos depois, soube que este
antagonismo de minha avó contra o Churchill era porque na década antes da
Primeira Guerra Mundial ele foi – quando era ministro do interior – responsável
por uma grande repressão às mulheres que lutavam pelo direito de votar, e isso
ela não suportava.
RH- E a sua aproximação com o Brasil e com a história do Brasil ?
KM- Um ano depois de me formar em Cambridge, eu não sabia bem
o que faria da vida. Viajei o mundo ficando uns seis meses na Espanha e seis
meses em Lisboa. Nessa época li um livro muito bom do professor Stanley Stein,
chamado Vassouras: A Brazilian Coffee County, 1850-1900. [verbete]. Ele era
professor em Princeton. Sabia que ele só aceitava orientar um ou dois estudante
por ano. Mesmo assim, participei de uma seleção para Princeton e fui aceito.
Por acaso, cheguei nos Estados Unidos num momento que se estava dando muitas
bolsas para estudar fora do país. Depois de uns nove meses consegui uma bolsa
para o Brasil. Mas tudo isso sem nenhuma programação. Eu estava pensando em
escrever um livro sobre a Independência no Brasil e a formação do Império
brasileiro. Esse era o projeto, e eu fui nessa linha durante dois ou três anos,
fazendo pesquisa sobre isso.
·RH- Foi aí que começou a sua pesquisa sobre Minas, sobre
Inconfidência?
KM- A Inconfidência não era a parte principal dos meus estudos. Na
verdade, o meu propósito era escrever um livro sobre a Independência no Brasil
e a formação do Império brasileiro. E foi impossível eu descobrir o que havia
acontecido no começo do século XIX, sem compreender antes o que estava passando
por aqui no século XVIII. Então comecei a olhar para os arquivos do século
XVIII e as coisas que encontrei lá não eram as mesmas que eu li sobre a
história oficial.
RH- Você foi pesquisar em Minas Gerais também?
Achei
importante ir para Minas para ver a geografia e as cidades históricas . Isso
foi em 67. Quando cheguei lá em Ouro Preto disse: “oh, que coisa curiosa”. Me
pareceu um lugar propício para ser o palco de uma rebelião, pois seria muito
difícil para Portugal suprimir uma revolta séria dentro daquelas montanhas.
Fiquei lá várias semanas hospedado no velho Hotel Toffolo do outro lado da Casa
dos Contos, e o diretor do Museu da Inconfidência abriu muitos arquivos para
que eu pesquisasse. Quando voltei ao Rio tive um encontro muito curioso. Fui
convidado por um amigo que trabalhava na embaixada inglesa para uma festa em um
grande apartamento no Flamengo. Encontrei com um jovem lá e ele me perguntou o
que eu estava fazendo no Brasil: “Estou aqui há dois anos, interessado no
Brasil do século XVIII”. Aí ele diz “Ah, o que você acha das perguntas feitas
ao Alvares Joaquim da Silva, no dia 18 de janeiro de 1790, nos Autos da Devassa,
volume 4, página 47?”. Ele ficou chocado por eu não ter lido, na época, os
Autos da Devassa. Bem, esse rapaz era o Elio Gaspari. Pensei: “na volta para
casa eu tenho que ler os Autos da Devassa”. Eu estava pensando que a minha tese
havia acabado, mas vi que ainda havia muita coisa para ler. Precisei de três
anos de pesquisa mais para fechar.
RH- Como era pesquisar nos arquivos do Rio de Janeiro?
KM- Na época, a Biblioteca Nacional estava muito descuidada, foi um
daqueles períodos de falta de meios; eu não sei, não estava muito consciente
disso na época. Mas uma coisa boa foi ganhar acesso relativamente livre para
pesquisar nos arquivos da Biblioteca Nacional. Com isso, eu podia olhar tudo o
que estava dentro das gavetas: entrar, tirar as coisas e ver. Isso foi
essencial porque você podia olhar para as documentações fiscais, onde tinham
todos os nomes importantes. E acho isso curioso porque todo mundo diz que eles
são poetas e coisas assim, mas nessa documentação já aparecem como homens de
negócios, fiadores, desembargadores e advogados ricos.
RH- Você dialogava com os pesquisadores brasileiros da época?
Fiquei muito
ligado ao Marcos Carneiro de Mendonça. Passei vários meses trabalhando no
palacete casa dele no Cosme Velho. O primeiro brasileiro que encontrei em
Princeton foi o Sérgio Buarque de Holanda. Isso foi em 65, meu primeiro ano lá.
Eu fui chamado pelo Stanley Stein e ele disse “temos um brasileiro aqui, eu
acho importante que você entre em contato com ele”. O Sergio era amigo do
Stanley. Conversamos por muito tempo. Havia um filho jovem com ele, acho que
era o Chico Buarque. Alguns anos depois, saindo do Rio de Janeiro de navio para
Europa, encontrei com o Carlos Guilherme Mota e, por meio dele, nos anos 70
entrei em contato fraternal com vários historiadores em São Paulo, incluindo o
Fernando Novais, José Jobson de Arruda, e José Sebastião Witter. Outros
historiadores com quem tive convivência foram o Francisco Iglesias de Minas e
no Rio, Raymundo Faoro e José Honorio Rodrigues, que leu a minha tese a pedido
do Stanley Stein. Depois conheci também a Laura Mello de Souza, Caio Boschi e
Junia Furtado.
·RH- Foi um desafio o estudo que você fez sobre Pombal? Como isso foi
recebido em Portugal ?
KM- É curioso como os portugueses acham que uma pessoa que escreve
sobre Pombal [verbete] deve gostar de Pombal. Ele era um homem muito feroz,
ditador e não escondia em nada isso. E sempre foi muito bem visto no século XIX
pelo setor liberal português. Mas há ainda uma parte da população portuguesa,
descendente da aristocracia que foi reprimida por Pombal, que nunca o perdoou.
Os jesuítas também não esquecem da atuação de Pombal. Cada vez que eu fazia uma
palestra sobre ele, havia um jesuíta lá assistindo. Eles são muito bons
historiadores, mas há jesuítas que estão lá para compilar qualquer coisa sobre
Pombal. Ele esteve muito envolvido na ascensão do poder do Estado sobre a
Igreja. Mas foi apoiado por grande parte da Igreja Católica que tinha interesse
nesse reformismo contra o poder do Vaticano. E não é só em Portugal e na
Espanha não: o iluminismo napolitano também deu um forte apoio. E isso ainda
não é muito bem aceito pela Igreja Católica por ser fortemente contra o poder
da cúria. Eu entro um pouco em Pombal nessa discussão e também nessa idéia que
o iluminismo tem duas partes: uma liberal, constitucional, mas outra parte
muito ligada ao Estado, da utilização, racionalização do poder do Estado. O
paradoxo de Pombal é que ele era iluminado mas também duro e ditador.
RH- Você acha que seus trabalhos esgotaram os estudos sobre Pombal?
Ou ainda há aspectos a serem descobertos?
KM- Não gosto da idéia de esgotar um assunto. Prefiro abrir novas
perspectivas. A Devassa da Devassa abriu caminhos, e também o trabalho sobre
Pombal. Há milhares de assuntos lá que nenhuma história sozinha pode absorver.
Assuntos como a Igreja Católica, a filosofia de reformas burocráticas, a
codificação das novas leis, a história jurídica e da família de Pombal – de
quem sabemos pouco. Nenhum historiador acha bom estar fechando o assunto.
RH- O seu trabalho de historiador foi beneficiado pela sua
distância em relação à realidade do Brasil,?
KM-. Francamente, em algumas coisas isso ajuda e em outras não. É
importante ser sempre um historiador sério– no próprio país ou em um outro–,
poder usar as mesmas técnicas, a mesma honestidade ou integridade de como
utilizar as fontes. É claro que os estrangeiros acabam ignorando certos
aspectos, mas ao mesmo tempo podem as vezes escapar um pouco dos preconceitos
do próprio país – lá ou aqui.
RH- E como a forma como se faz História aqui é vista lá fora?
KM- Às vezes existe um preconceito entre os historiadores europeus
e americanos sobre qualquer história que não seja deles. Acham que não existe
uma história séria no Brasil. Acham que o terceiro mundo não é nada... Eles
pensam que na América Latina realmente não há História com o mesmo peso, com a
mesma documentação. Eu sempre rejeitei fortemente esta idéia.
RH- A sua dedicação à história contemporânea de alguma forma auxilia um
olhar privilegiado sobre política latino americana e o Brasil em especial?
KM- Estou
voltando também um pouco a isso porque faz 30 anos que foram feitas as
transições democráticas na Europa do Sul, Espanha, Grécia... E acabei entrando
em uma controvérsia com Kissinger. E acho que agora estou olhando um pouco para
as ligações entre o período da Guerra Fria, por exemplo, quando acontece a
Revolução Portuguesa, a descolonização angolana e o fim do governo do Allende
no Chile. Por exemplo, sobre o Chile: quando os relatórios saem, muitas informações
comprometedoras são retiradas, realmente suprimidas. Entretanto, nas mesmas
documentações sobre Portugal entram várias vezes comentários sobre o Chile que
não foram suprimidos. Isso acontece porque as pessoas que fizeram a censura não
estavam pensando no Chile, mas em Portugal. Descobri nesses documentos uns
comentários muito interessantes que explicam um pouco mais sobre o que estava
acontecendo na América do Sul.
RH- A história do assassinato do Letelier?
KM- Exatamente.
Esse documento sai sobre a Operação Condor. Há um telegrama que menciona
explicitamente a Operação Condor, absolutamente sem censura. Mas por quê?
Porque o relatório sai na Costa Rica e escapa, e as pessoas tentam retirar
qualquer referência sobre a Operação Condor mas sem saber o que significava a
referência.
RH- Quer dizer, quem filtrou o documento não percebeu que sobrou ali o
registro...
KM-
Exatamente. E eu com isso provei que existia o conhecimento da Operação Condor,
explicitamente, quando essa documentação sai, dois dias antes do assassinato do
Letelier Com isso descobrimos uma nova história, e eles ficaram surpresos de
como sabemos de tudo isso.
RH- Você denunciou, em sua polêmica com o Kissinger, uma certa
tolerância dele com a ditadura.
KM- Foi mais
que tolerância, algo mais explicito. É um acontecimento chocante, ele diz, no
golpe do Videla na Argentina, para o representante da Junta Militar: “olha você
faz as coisas depressa porque nós temos um grande problema com o nosso
Congresso e, se você não fizer tudo isso em dois meses, vai ser muito
complicado”. Kissinger está dizendo isso diretamente para o regime militar, sem
informar o embaixador americano lá que estava tentando salvar as vidas das
pessoas. Inacreditável. E nós podemos ler na documentação, nos telegramas da embaixada
americana em Buenos Aires que chegam em Washington, que o próprio embaixador
americano estava chocado. Essa declaração do Kissinger é tomada pelos militares
como um sinal verde para matar. Mais ou menos cinco mil pessoas foram mortas.
Inclusive, muitos judeus, posto que aquele regime era altamente anti-semita. O
embaixador americano em Buenos Aires relatou isso explicitamente para
Kissinger. Os americanos ainda não querem lidar com isso. Não querem enfrentar
essa parte da política externa americana. Quando o Kisinger diz “o Maxwell é
uma pessoa de esquerda fazendo isso”, eu respondo “olha, eu sou totalmente
contra a direita e contra a esquerda quando eles fazem este tipo de coisa”.
Acho que não é uma questão de ideologia, para mim a pessoa deve estar apoiando
os direitos humanos em todos os lugares sem qualquer justificação ideológica.
·O primeiro contato de Kenneth Maxwell com o Brasil foi assistindo
ao filme Orfeu Negro, do cineasta Marcel Camus, em 1962, quando ainda cursava a
graduação em Historia na universidade de Cambridge, na Inglaterra. A obra
despertaria a sua curiosidade sobre um país do qual ainda não sabia quase nada.
Em 1965, Maxwell desembarca no Rio de Janeiro com uma bolsa de pós-graduação
para estudar a formação do Império brasileiro. Foi a Minas para “ver a
geografia e as cidades históricas”. A visita a Ouro Preto lhe causou um forte
impacto, e ele volta ao Rio levando mais a sério a idéia de uma Conjuração em
Minas.
Publicada no
Brasil em 1977, sua obra, “A Devassa da Devassa”, revolucionou a forma como era
pensada a Inconfidência Mineira. Maxwell ganhou notoriedade e tornou-se uma das
maiores autoridades estrangeiras em estudos sobre o Brasil. Escreveu ainda
sobre o Marquês de Pombal e, em seu livro mais recente, sobre a Revolução dos
Cravos.
O cuidado com
a pesquisa documental levou-o a importantes descobertas e a alguns problemas
políticos. Maxwell continua empenhado em trazer à tona a verdade sobre a
atuação dos EUA nos governos militares latino-americanos: “Os americanos ainda
não querem enfrentar essa parte da história da política externa do país”
Atualmente, é
professor do Departamento de Historia e diretor do Programa de Estudos
Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS) da Universidade de
Harvard. O historiador conversou com a Revista de História no escritório da
Harvard em São Paulo.
Revista de História - Onde e como você começa a estudar e a se aproximar da História ?
Kenneth Maxwell - Cresci numa zona rural no sudoeste da Inglaterra. Minha
formação secundária foi em um internato, onde tive bons professores. O sistema
universitário inglês era extremamente pequeno, e, historiadores, que hoje
estariam em universidades, lecionavam em escolas. Beneficiei-me muito com isso.
Aos 15 anos, entrei numa pesquisa séria mergulhando em inventários do século
XVI: assim podia escapar um pouco da escola interna.. A minha mãe também era
professora e tinha grande interesse em História. Meus avós maternos eram muito
envolvidos nos movimentos sociais ingleses, e na criação do Partido
Trabalhista. Falávamos muito sobre História. Meu pai – de uma família
conservadora – era um grande admirador do Winston Churchill, mas a sogra dele –
liberal – não gostava. Todas às vezes que eles almoçavam juntos, o papo era
sobre política – ela de um lado e ele do outro. Anos depois, soube que este
antagonismo de minha avó contra o Churchill era porque na década antes da
Primeira Guerra Mundial ele foi – quando era ministro do interior – responsável
por uma grande repressão às mulheres que lutavam pelo direito de votar, e isso
ela não suportava.
RH- E a sua aproximação com o Brasil e com a história do Brasil ?
KM- Um ano depois de me formar em Cambridge, eu não sabia bem
o que faria da vida. Viajei o mundo ficando uns seis meses na Espanha e seis
meses em Lisboa. Nessa época li um livro muito bom do professor Stanley Stein,
chamado Vassouras: A Brazilian Coffee County, 1850-1900. [verbete]. Ele era
professor em Princeton. Sabia que ele só aceitava orientar um ou dois estudante
por ano. Mesmo assim, participei de uma seleção para Princeton e fui aceito.
Por acaso, cheguei nos Estados Unidos num momento que se estava dando muitas
bolsas para estudar fora do país. Depois de uns nove meses consegui uma bolsa
para o Brasil. Mas tudo isso sem nenhuma programação. Eu estava pensando em
escrever um livro sobre a Independência no Brasil e a formação do Império
brasileiro. Esse era o projeto, e eu fui nessa linha durante dois ou três anos,
fazendo pesquisa sobre isso.
·RH- Foi aí que começou a sua pesquisa sobre Minas, sobre
Inconfidência?
KM- A Inconfidência não era a parte principal dos meus estudos. Na
verdade, o meu propósito era escrever um livro sobre a Independência no Brasil
e a formação do Império brasileiro. E foi impossível eu descobrir o que havia
acontecido no começo do século XIX, sem compreender antes o que estava passando
por aqui no século XVIII. Então comecei a olhar para os arquivos do século
XVIII e as coisas que encontrei lá não eram as mesmas que eu li sobre a
história oficial.
RH- Você foi pesquisar em Minas Gerais também?
Achei
importante ir para Minas para ver a geografia e as cidades históricas . Isso
foi em 67. Quando cheguei lá em Ouro Preto disse: “oh, que coisa curiosa”. Me
pareceu um lugar propício para ser o palco de uma rebelião, pois seria muito
difícil para Portugal suprimir uma revolta séria dentro daquelas montanhas.
Fiquei lá várias semanas hospedado no velho Hotel Toffolo do outro lado da Casa
dos Contos, e o diretor do Museu da Inconfidência abriu muitos arquivos para
que eu pesquisasse. Quando voltei ao Rio tive um encontro muito curioso. Fui
convidado por um amigo que trabalhava na embaixada inglesa para uma festa em um
grande apartamento no Flamengo. Encontrei com um jovem lá e ele me perguntou o
que eu estava fazendo no Brasil: “Estou aqui há dois anos, interessado no
Brasil do século XVIII”. Aí ele diz “Ah, o que você acha das perguntas feitas
ao Alvares Joaquim da Silva, no dia 18 de janeiro de 1790, nos Autos da
Devassa, volume 4, página 47?”. Ele ficou chocado por eu não ter lido, na
época, os Autos da Devassa. Bem, esse rapaz era o Elio Gaspari. Pensei: “na
volta para casa eu tenho que ler os Autos da Devassa”. Eu estava pensando que a
minha tese havia acabado, mas vi que ainda havia muita coisa para ler. Precisei
de três anos de pesquisa mais para fechar.
RH- Como era pesquisar nos arquivos do Rio de Janeiro?
KM- Na época, a Biblioteca Nacional estava muito descuidada, foi um
daqueles períodos de falta de meios; eu não sei, não estava muito consciente
disso na época. Mas uma coisa boa foi ganhar acesso relativamente livre para
pesquisar nos arquivos da Biblioteca Nacional. Com isso, eu podia olhar tudo o
que estava dentro das gavetas: entrar, tirar as coisas e ver. Isso foi
essencial porque você podia olhar para as documentações fiscais, onde tinham
todos os nomes importantes. E acho isso curioso porque todo mundo diz que eles
são poetas e coisas assim, mas nessa documentação já aparecem como homens de
negócios, fiadores, desembargadores e advogados ricos.
RH- Você dialogava com os pesquisadores brasileiros da época?
Fiquei muito
ligado ao Marcos Carneiro de Mendonça. Passei vários meses trabalhando no
palacete casa dele no Cosme Velho. O primeiro brasileiro que encontrei em
Princeton foi o Sérgio Buarque de Holanda. Isso foi em 65, meu primeiro ano lá.
Eu fui chamado pelo Stanley Stein e ele disse “temos um brasileiro aqui, eu
acho importante que você entre em contato com ele”. O Sergio era amigo do
Stanley. Conversamos por muito tempo. Havia um filho jovem com ele, acho que
era o Chico Buarque. Alguns anos depois, saindo do Rio de Janeiro de navio para
Europa, encontrei com o Carlos Guilherme Mota e, por meio dele, nos anos 70
entrei em contato fraternal com vários historiadores em São Paulo, incluindo o
Fernando Novais, José Jobson de Arruda, e José Sebastião Witter. Outros
historiadores com quem tive convivência foram o Francisco Iglesias de Minas e
no Rio, Raymundo Faoro e José Honorio Rodrigues, que leu a minha tese a pedido
do Stanley Stein. Depois conheci também a Laura Mello de Souza, Caio Boschi e
Junia Furtado.
·RH- Foi um desafio o estudo que você fez sobre Pombal? Como isso foi
recebido em Portugal ?
KM- É curioso como os portugueses acham que uma pessoa que escreve
sobre Pombal [verbete] deve gostar de Pombal. Ele era um homem muito feroz,
ditador e não escondia em nada isso. E sempre foi muito bem visto no século XIX
pelo setor liberal português. Mas há ainda uma parte da população portuguesa,
descendente da aristocracia que foi reprimida por Pombal, que nunca o perdoou.
Os jesuítas também não esquecem da atuação de Pombal. Cada vez que eu fazia uma
palestra sobre ele, havia um jesuíta lá assistindo. Eles são muito bons
historiadores, mas há jesuítas que estão lá para compilar qualquer coisa sobre
Pombal. Ele esteve muito envolvido na ascensão do poder do Estado sobre a
Igreja. Mas foi apoiado por grande parte da Igreja Católica que tinha interesse
nesse reformismo contra o poder do Vaticano. E não é só em Portugal e na
Espanha não: o iluminismo napolitano também deu um forte apoio. E isso ainda
não é muito bem aceito pela Igreja Católica por ser fortemente contra o poder
da cúria. Eu entro um pouco em Pombal nessa discussão e também nessa idéia que
o iluminismo tem duas partes: uma liberal, constitucional, mas outra parte
muito ligada ao Estado, da utilização, racionalização do poder do Estado. O
paradoxo de Pombal é que ele era iluminado mas também duro e ditador.
RH- Você acha que seus trabalhos esgotaram os estudos sobre Pombal?
Ou ainda há aspectos a serem descobertos?
KM- Não gosto da idéia de esgotar um assunto. Prefiro abrir novas
perspectivas. A Devassa da Devassa abriu caminhos, e também o trabalho sobre
Pombal. Há milhares de assuntos lá que nenhuma história sozinha pode absorver.
Assuntos como a Igreja Católica, a filosofia de reformas burocráticas, a
codificação das novas leis, a história jurídica e da família de Pombal – de
quem sabemos pouco. Nenhum historiador acha bom estar fechando o assunto.
RH- O seu trabalho de historiador foi beneficiado pela sua distância
em relação à realidade do Brasil,?
KM-. Francamente, em algumas coisas isso ajuda e em outras não. É
importante ser sempre um historiador sério– no próprio país ou em um outro–,
poder usar as mesmas técnicas, a mesma honestidade ou integridade de como
utilizar as fontes. É claro que os estrangeiros acabam ignorando certos
aspectos, mas ao mesmo tempo podem as vezes escapar um pouco dos preconceitos
do próprio país – lá ou aqui.
RH- E como a forma como se faz História aqui é vista lá fora?
KM- Às vezes existe um preconceito entre os historiadores europeus
e americanos sobre qualquer história que não seja deles. Acham que não existe
uma história séria no Brasil. Acham que o terceiro mundo não é nada... Eles
pensam que na América Latina realmente não há História com o mesmo peso, com a
mesma documentação. Eu sempre rejeitei fortemente esta idéia.
·RH- A sua dedicação à história contemporânea de alguma forma auxilia
um olhar privilegiado sobre política latino americana e o Brasil em especial?
KM- Estou voltando também um pouco a isso porque faz 30 anos que
foram feitas as transições democráticas na Europa do Sul, Espanha, Grécia... E
acabei entrando em uma controvérsia com Kissinger. E acho que agora estou
olhando um pouco para as ligações entre o período da Guerra Fria, por exemplo,
quando acontece a Revolução Portuguesa, a descolonização angolana e o fim do
governo do Allende no Chile. Por exemplo, sobre o Chile: quando os relatórios
saem, muitas informações comprometedoras são retiradas, realmente suprimidas.
Entretanto, nas mesmas documentações sobre Portugal entram várias vezes
comentários sobre o Chile que não foram suprimidos. Isso acontece porque as
pessoas que fizeram a censura não estavam pensando no Chile, mas em Portugal.
Descobri nesses documentos uns comentários muito interessantes que explicam um
pouco mais sobre o que estava acontecendo na América do Sul.
RH- A história do assassinato do Letelier?
KM- Exatamente. Esse documento sai sobre a Operação Condor. Há um
telegrama que menciona explicitamente a Operação Condor, absolutamente sem
censura. Mas por quê ? Porque o relatório sai na Costa Rica e escapa, e as
pessoas tentam retirar qualquer referência sobre a Operação Condor mas sem
saber o que significava a referência.
RH- Quer dizer, quem filtrou o documento não percebeu que sobrou ali
o registro ...
KM- Exatamente. E eu com isso provei que existia o conhecimento da
Operação Condor, explicitamente, quando essa documentação sai, dois dias antes
do assassinato do Letelier Com isso descobrimos uma nova história, e eles
ficaram surpresos de como sabemos de tudo isso.
RH- Você denunciou, em sua polêmica com o Kissinger , uma certa
tolerância dele com a ditadura.
KM- Foi mais que tolerância, algo mais explicito. É um
acontecimento chocante, ele diz, no golpe doVidela na Argentina, para o
representante da Junta Militar: “olha você faz as coisas depressa porque nós
temos um grande problema com o nosso Congresso e, se você não fizer tudo isso
em dois meses, vai ser muito complicado”. Kissinger está dizendo isso
diretamente para o regime militar, sem informar o embaixador americano lá que
estava tentando salvar as vidas das pessoas. Inacreditável.E nós podemos ler na
documentação, nos telegramas da embaixada americana em Buenos Aires que chegam
em Washington, que o próprio embaixador americano estava chocado. Essa
declaração do Kissinger é tomada pelos militares como um sinal verde para
matar. Mais ou menos cinco mil pessoas foram mortas. Inclusive, muitos judeus,
posto que aquele regime era altamente anti-semita. O embaixador americano em
Buenos Aires relatou isso explicitamente para Kissinger. Os americanos ainda
não querem lidar com isso. Não querem enfrentar essa parte da política externa
americana. Quando o Kisinger diz “o Maxwell é uma pessoa de esquerda fazendo
isso”, eu respondo “olha, eu sou totalmente contra a direita e contra a
esquerda quando eles fazem este tipo de coisa”. Acho que não é uma questão de
ideologia, para mim a pessoa deve estar apoiando os direitos humanos em todos
os lugares sem qualquer justificação ideológica.
RH- No seu livro mais recente sobre a Revolução dos Cravos, você a
chama de a “revolução domada”. Como é que foi esse processo de contenção de uma
Revolução?
KM- É
contenção porque eu acho que no momento Portugal estava muito perto de uma
guerra civil. Uma parte do centro e do norte era muito tradicional, muito
ligada à igreja e o outro lado contava com pessoas muito mobilizadas:
comunistas – ou de esquerda, ou de extrema-esquerda. Havia uma situação muito
perigosa com uma grande possibilidade de confrontações sangrentas. E foi
necessário para os portugueses tentar lidar um pouco com essas diferenças.
Então, eles buscam um tipo de entendimento democrático entre as duas partes que
se opunham. Houve um acordo, que foi forçado. E isto se dá em apenas um ano e
meio, que é muito pouco tempo. As pessoas que estão de fora desta negociação
não entenderam nada.. Mas depois americanos, alemães, franceses e ingleses
entraram fortemente para apoiar esse acordo. Quando a constituição foi promulgada,
em 76, muitas pessoas envolvidas não queriam mais lembrar as suas posições
políticas neste momento de confrontações, porque. naquela época, alguns estavam
na esquerda outros na direita... Há quase uma coisa implícita para não se falar
mais sobre isso.
RH- Que você chama de amnesiologia dos fatos.
KM- Isto. Há
muitas pessoas que não querem mais falar sobre isso. Por exemplo, o presidente
da Comissão Européia, Durão Barroso, era na época um dos líderes da parte mais
radical, mais violenta da extrema-esquerda portuguesa.
RH- Isso é muito interessante. Esses mecanismos de contenção da
memória.
KM- Para o
historiador isso é fascinante.
RH- Você mostra como o Salazar conseguia juntar os pequenos
agricultores com os grandes proprietários numa espécie de ditadura católica.
Como é que o Saramago recebeu o seu livro ?
KM- Não sei.
Mas devo lembrar que o Saramago ainda é muito ligado aos setores comunistas
portugueses e eles claramente não gostaram do meu livro. Mas não é uma obra
anticomunista. O Partido Comunista era muito forte na época. Inclusive o
Saramago era, no período, editor do Diário de Notícias. Agora o Saramago lançou
uma pequena biografia sobre a vida dele quando criança e, em entrevista a um
jornal brasileiro, ele falou um pouco sobre a sua juventude na Mocidade
Portuguesa. Acho que ele deve lidar um pouco mais com o seu passado durante a
revolução como editor do jornal durante a revolução, isso teve mais
implicações. Mas vai ser muito controverso.
·O primeiro contato de Kenneth Maxwell com o Brasil foi assistindo
ao filme Orfeu Negro, do cineasta Marcel Camus, em 1962, quando ainda cursava a
graduação em Historia na universidade de Cambridge, na Inglaterra. A obra
despertaria a sua curiosidade sobre um país do qual ainda não sabia quase nada.
Em 1965, Maxwell desembarca no Rio de Janeiro com uma bolsa de pós-graduação
para estudar a formação do Império brasileiro. Foi a Minas para “ver a
geografia e as cidades históricas”. A visita a Ouro Preto lhe causou um forte
impacto, e ele volta ao Rio levando mais a sério a idéia de uma Conjuração em
Minas.
Publicada no
Brasil em 1977, sua obra, “A Devassa da Devassa”, revolucionou a forma como era
pensada a Inconfidência Mineira. Maxwell ganhou notoriedade e tornou-se uma das
maiores autoridades estrangeiras em estudos sobre o Brasil. Escreveu ainda
sobre o Marquês de Pombal e, em seu livro mais recente, sobre a Revolução dos
Cravos.
O cuidado com
a pesquisa documental levou-o a importantes descobertas e a alguns problemas
políticos. Maxwell continua empenhado em trazer à tona a verdade sobre a
atuação dos EUA nos governos militares latino-americanos: “Os americanos ainda
não querem enfrentar essa parte da história da política externa do país”
Atualmente, é
professor do Departamento de Historia e diretor do Programa de Estudos
Brasileiros do Centro de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS) da Universidade de
Harvard. O historiador conversou com a Revista de História no escritório da
Harvard em São Paulo.
Revista de História - Onde e como você começa a estudar e a se aproximar da História ?
Kenneth Maxwell - Cresci numa zona rural no sudoeste da Inglaterra. Minha
formação secundária foi em um internato, onde tive bons professores. O sistema
universitário inglês era extremamente pequeno, e, historiadores, que hoje estariam
em universidades, lecionavam em escolas. Beneficiei-me muito com isso. Aos 15
anos, entrei numa pesquisa séria mergulhando em inventários do século XVI:
assim podia escapar um pouco da escola interna.. A minha mãe também era
professora e tinha grande interesse em História. Meus avós maternos eram muito
envolvidos nos movimentos sociais ingleses, e na criação do Partido
Trabalhista. Falávamos muito sobre História. Meu pai – de uma família
conservadora – era um grande admirador do Winston Churchill, mas a sogra dele –
liberal – não gostava. Todas às vezes que eles almoçavam juntos, o papo era
sobre política – ela de um lado e ele do outro. Anos depois, soube que este
antagonismo de minha avó contra o Churchill era porque na década antes da
Primeira Guerra Mundial ele foi – quando era ministro do interior – responsável
por uma grande repressão às mulheres que lutavam pelo direito de votar, e isso
ela não suportava.
RH- E a sua aproximação com o Brasil e com a história do Brasil ?
KM- Um ano depois de me formar em Cambridge, eu não sabia bem
o que faria da vida. Viajei o mundo ficando uns seis meses na Espanha e seis
meses em Lisboa. Nessa época li um livro muito bom do professor Stanley Stein,
chamado Vassouras: A Brazilian Coffee County, 1850-1900. [verbete]. Ele era
professor em Princeton. Sabia que ele só aceitava orientar um ou dois estudante
por ano. Mesmo assim, participei de uma seleção para Princeton e fui aceito.
Por acaso, cheguei nos Estados Unidos num momento que se estava dando muitas
bolsas para estudar fora do país. Depois de uns nove meses consegui uma bolsa
para o Brasil. Mas tudo isso sem nenhuma programação. Eu estava pensando em
escrever um livro sobre a Independência no Brasil e a formação do Império
brasileiro. Esse era o projeto, e eu fui nessa linha durante dois ou três anos,
fazendo pesquisa sobre isso.
·RH- Foi aí que começou a sua pesquisa sobre Minas, sobre
Inconfidência?
KM- A Inconfidência não era a parte principal dos meus estudos. Na
verdade, o meu propósito era escrever um livro sobre a Independência no Brasil
e a formação do Império brasileiro. E foi impossível eu descobrir o que havia
acontecido no começo do século XIX, sem compreender antes o que estava passando
por aqui no século XVIII. Então comecei a olhar para os arquivos do século
XVIII e as coisas que encontrei lá não eram as mesmas que eu li sobre a
história oficial.
RH- Você foi pesquisar em Minas Gerais também?
Achei
importante ir para Minas para ver a geografia e as cidades históricas . Isso
foi em 67. Quando cheguei lá em Ouro Preto disse: “oh, que coisa curiosa”. Me
pareceu um lugar propício para ser o palco de uma rebelião, pois seria muito
difícil para Portugal suprimir uma revolta séria dentro daquelas montanhas.
Fiquei lá várias semanas hospedado no velho Hotel Toffolo do outro lado da Casa
dos Contos, e o diretor do Museu da Inconfidência abriu muitos arquivos para
que eu pesquisasse. Quando voltei ao Rio tive um encontro muito curioso. Fui
convidado por um amigo que trabalhava na embaixada inglesa para uma festa em um
grande apartamento no Flamengo. Encontrei com um jovem lá e ele me perguntou o
que eu estava fazendo no Brasil: “Estou aqui há dois anos, interessado no
Brasil do século XVIII”. Aí ele diz “Ah, o que você acha das perguntas feitas
ao Alvares Joaquim da Silva, no dia 18 de janeiro de 1790, nos Autos da
Devassa, volume 4, página 47?”. Ele ficou chocado por eu não ter lido, na
época, os Autos da Devassa. Bem, esse rapaz era o Elio Gaspari. Pensei: “na
volta para casa eu tenho que ler os Autos da Devassa”. Eu estava pensando que a
minha tese havia acabado, mas vi que ainda havia muita coisa para ler. Precisei
de três anos de pesquisa mais para fechar.
RH- Como era pesquisar nos arquivos do Rio de Janeiro?
KM- Na época, a Biblioteca Nacional estava muito descuidada, foi um
daqueles períodos de falta de meios; eu não sei, não estava muito consciente
disso na época. Mas uma coisa boa foi ganhar acesso relativamente livre para
pesquisar nos arquivos da Biblioteca Nacional. Com isso, eu podia olhar tudo o
que estava dentro das gavetas: entrar, tirar as coisas e ver. Isso foi
essencial porque você podia olhar para as documentações fiscais, onde tinham
todos os nomes importantes. E acho isso curioso porque todo mundo diz que eles
são poetas e coisas assim, mas nessa documentação já aparecem como homens de
negócios, fiadores, desembargadores e advogados ricos.
RH- Você dialogava com os pesquisadores brasileiros da época?
Fiquei muito
ligado ao Marcos Carneiro de Mendonça. Passei vários meses trabalhando no palacete
casa dele no Cosme Velho. O primeiro brasileiro que encontrei em Princeton foi
o Sérgio Buarque de Holanda. Isso foi em 65, meu primeiro ano lá. Eu fui
chamado pelo Stanley Stein e ele disse “temos um brasileiro aqui, eu acho
importante que você entre em contato com ele”. O Sergio era amigo do Stanley.
Conversamos por muito tempo. Havia um filho jovem com ele, acho que era o Chico
Buarque. Alguns anos depois, saindo do Rio de Janeiro de navio para Europa,
encontrei com o Carlos Guilherme Mota e, por meio dele, nos anos 70 entrei em
contato fraternal com vários historiadores em São Paulo, incluindo o Fernando
Novais, José Jobson de Arruda, e José Sebastião Witter. Outros historiadores
com quem tive convivência foram o Francisco Iglesias de Minas e no Rio,
Raymundo Faoro e José Honorio Rodrigues, que leu a minha tese a pedido do
Stanley Stein. Depois conheci também a Laura Mello de Souza, Caio Boschi e
Junia Furtado.
·RH- Foi um desafio o estudo que você fez sobre Pombal? Como isso foi
recebido em Portugal ?
KM- É curioso como os portugueses acham que uma pessoa que escreve
sobre Pombal [verbete] deve gostar de Pombal. Ele era um homem muito feroz,
ditador e não escondia em nada isso. E sempre foi muito bem visto no século XIX
pelo setor liberal português. Mas há ainda uma parte da população portuguesa,
descendente da aristocracia que foi reprimida por Pombal, que nunca o perdoou.
Os jesuítas também não esquecem da atuação de Pombal. Cada vez que eu fazia uma
palestra sobre ele, havia um jesuíta lá assistindo. Eles são muito bons
historiadores, mas há jesuítas que estão lá para compilar qualquer coisa sobre
Pombal. Ele esteve muito envolvido na ascensão do poder do Estado sobre a
Igreja. Mas foi apoiado por grande parte da Igreja Católica que tinha interesse
nesse reformismo contra o poder do Vaticano. E não é só em Portugal e na
Espanha não: o iluminismo napolitano também deu um forte apoio. E isso ainda
não é muito bem aceito pela Igreja Católica por ser fortemente contra o poder
da cúria. Eu entro um pouco em Pombal nessa discussão e também nessa idéia que
o iluminismo tem duas partes: uma liberal, constitucional, mas outra parte
muito ligada ao Estado, da utilização, racionalização do poder do Estado. O
paradoxo de Pombal é que ele era iluminado mas também duro e ditador.
RH- Você acha que seus trabalhos esgotaram os estudos sobre Pombal?
Ou ainda há aspectos a serem descobertos?
KM- Não gosto da idéia de esgotar um assunto. Prefiro abrir novas
perspectivas. A Devassa da Devassa abriu caminhos, e também o trabalho sobre
Pombal. Há milhares de assuntos lá que nenhuma história sozinha pode absorver.
Assuntos como a Igreja Católica, a filosofia de reformas burocráticas, a
codificação das novas leis, a história jurídica e da família de Pombal – de
quem sabemos pouco. Nenhum historiador acha bom estar fechando o assunto.
RH- O seu trabalho de historiador foi beneficiado pela sua
distância em relação à realidade do Brasil,?
KM-. Francamente, em algumas coisas isso ajuda e em outras não. É
importante ser sempre um historiador sério– no próprio país ou em um outro–,
poder usar as mesmas técnicas, a mesma honestidade ou integridade de como
utilizar as fontes. É claro que os estrangeiros acabam ignorando certos
aspectos, mas ao mesmo tempo podem as vezes escapar um pouco dos preconceitos
do próprio país – lá ou aqui.
RH- E como a forma como se faz História aqui é vista lá fora?
KM- Às vezes existe um preconceito entre os historiadores europeus
e americanos sobre qualquer história que não seja deles. Acham que não existe
uma história séria no Brasil. Acham que o terceiro mundo não é nada... Eles
pensam que na América Latina realmente não há História com o mesmo peso, com a
mesma documentação. Eu sempre rejeitei fortemente esta idéia.
·RH- A sua dedicação à história contemporânea de alguma forma auxilia
um olhar privilegiado sobre política latino americana e o Brasil em especial?
KM- Estou voltando também um pouco a isso porque faz 30 anos que
foram feitas as transições democráticas na Europa do Sul, Espanha, Grécia... E
acabei entrando em uma controvérsia com Kissinger. E acho que agora estou
olhando um pouco para as ligações entre o período da Guerra Fria, por exemplo,
quando acontece a Revolução Portuguesa, a descolonização angolana e o fim do
governo do Allende no Chile. Por exemplo, sobre o Chile: quando os relatórios
saem, muitas informações comprometedoras são retiradas, realmente suprimidas.
Entretanto, nas mesmas documentações sobre Portugal entram várias vezes
comentários sobre o Chile que não foram suprimidos. Isso acontece porque as
pessoas que fizeram a censura não estavam pensando no Chile, mas em Portugal.
Descobri nesses documentos uns comentários muito interessantes que explicam um
pouco mais sobre o que estava acontecendo na América do Sul.
RH- A história do assassinato do Letelier?
KM- Exatamente. Esse documento sai sobre a Operação Condor. Há um
telegrama que menciona explicitamente a Operação Condor, absolutamente sem
censura. Mas por quê ? Porque o relatório sai na Costa Rica e escapa, e as
pessoas tentam retirar qualquer referência sobre a Operação Condor mas sem
saber o que significava a referência.
RH- Quer dizer, quem filtrou o documento não percebeu que sobrou ali
o registro ...
KM- Exatamente. E eu com isso provei que existia o conhecimento da
Operação Condor, explicitamente, quando essa documentação sai, dois dias antes
do assassinato do Letelier Com isso descobrimos uma nova história, e eles
ficaram surpresos de como sabemos de tudo isso.
RH- Você denunciou, em sua polêmica com o Kissinger , uma certa tolerância
dele com a ditadura.
KM- Foi mais que tolerância, algo mais explicito. É um
acontecimento chocante, ele diz, no golpe doVidela na Argentina, para o
representante da Junta Militar: “olha você faz as coisas depressa porque nós
temos um grande problema com o nosso Congresso e, se você não fizer tudo isso
em dois meses, vai ser muito complicado”. Kissinger está dizendo isso
diretamente para o regime militar, sem informar o embaixador americano lá que
estava tentando salvar as vidas das pessoas. Inacreditável.E nós podemos ler na
documentação, nos telegramas da embaixada americana em Buenos Aires que chegam
em Washington, que o próprio embaixador americano estava chocado. Essa
declaração do Kissinger é tomada pelos militares como um sinal verde para matar.
Mais ou menos cinco mil pessoas foram mortas. Inclusive, muitos judeus, posto
que aquele regime era altamente anti-semita. O embaixador americano em Buenos
Aires relatou isso explicitamente para Kissinger. Os americanos ainda não
querem lidar com isso. Não querem enfrentar essa parte da política externa
americana. Quando o Kisinger diz “o Maxwell é uma pessoa de esquerda fazendo
isso”, eu respondo “olha, eu sou totalmente contra a direita e contra a
esquerda quando eles fazem este tipo de coisa”. Acho que não é uma questão de
ideologia, para mim a pessoa deve estar apoiando os direitos humanos em todos
os lugares sem qualquer justificação ideológica.
·
RH- No seu livro mais recente sobre a Revolução dos Cravos,
você a chama de a “revolução domada”. Como é que foi esse processo de contenção
de uma Revolução?
KM- É contenção porque eu acho que no momento Portugal estava muito
perto de uma guerra civil. Uma parte do centro e do norte era muito
tradicional, muito ligada à igreja e o outro lado contava com pessoas muito
mobilizadas: comunistas – ou de esquerda, ou de extrema-esquerda. Havia uma
situação muito perigosa com uma grande possibilidade de confrontações
sangrentas. E foi necessário para os portugueses tentar lidar um pouco com
essas diferenças. Então, eles buscam um tipo de entendimento democrático entre
as duas partes que se opunham. Houve um acordo, que foi forçado. E isto se dá
em apenas um ano e meio, que é muito pouco tempo. As pessoas que estão de fora
desta negociação não entenderam nada.. Mas depois americanos, alemães,
franceses e ingleses entraram fortemente para apoiar esse acordo. Quando a
constituição foi promulgada, em 76, muitas pessoas envolvidas não queriam mais
lembrar as suas posições políticas neste momento de confrontações, porque. naquela
época, alguns estavam na esquerda outros na direita... Há quase uma coisa
implícita para não se falar mais sobre isso.
RH- Que você chama de amnesiologia dos fatos.
KM- Isto. Há muitas pessoas que não querem mais falar sobre isso.
Por exemplo, o presidente da Comissão Européia, Durão Barroso, era na época um
dos líderes da parte mais radical, mais violenta da extrema-esquerda
portuguesa.
RH- Isso é muito interessante. Esses mecanismos de contenção da
memória.
KM- Para o historiador isso é fascinante.
RH- Você mostra como o Salazar conseguia juntar os pequenos
agricultores com os grandes proprietários numa espécie de ditadura católica.
Como é que o Saramago recebeu o seu livro ?
KM- Não sei. Mas devo lembrar que o Saramago ainda é muito
ligado aos setores comunistas portugueses e eles claramente não gostaram do meu
livro. Mas não é uma obra anticomunista. O Partido Comunista era muito forte na
época. Inclusive o Saramago era, no período, editor do Diário de Notícias.
Agora o Saramago lançou uma pequena biografia sobre a vida dele quando criança
e, em entrevista a um jornal brasileiro, ele falou um pouco sobre a sua
juventude na Mocidade Portuguesa. Acho que ele deve lidar um pouco mais com o
seu passado durante a revolução como editor do jornal durante a revolução, isso
teve mais implicações. Mas vai ser muito controverso.
RH- Hoje você coordena a formação de um programa de estudos
brasileiros em Harvard, uma das mais prestigiadas universidades
norte-americanas. Qual é o papel desse centro?
KM- Durante muitos
anos eu estava tentando criar algo assim. E, então, entra uma universidade como
Harvard, com um importante centro de estudos sobre a América Latina, com apoio
para criar um projeto com estudantes. Resolvi me dedicar totalmente a essa
iniciativa. Também temos um escritório aqui no Brasil. Não estamos tentando
criar um “brasilianismo”, ou um grupo de brasilianistas. Queremos levar os
melhores professores de Havard em política, em medicina e saúde pública e em
ciências para dialogar com os melhores brasileiros, para tentar fazer uma coisa
nova. Há muitos estudantes s americanos – ano passado foram mais de vinte– que
vem passar seis meses aqui e aprender português, além de vários professores. Há
também bolsas em Harvard para estudantes brasileiros. Para mim o programa é
ótimo porque é uma razão para voltar para o Brasil com mais regularidade.
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