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Segunda-feira, 30 de Junho de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 18 - nº 804
MD-18
- Saudades da ditadura
Por Benedito Tadeu César em 31/12/2013
na edição 779
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ANOS DE CHUMBO
Saudades
da ditadura
Por Benedito Tadeu César em 31/12/2013
na edição 779
Reproduzido do Sul21, 27/12/2013; título
original “Qual obituário de Manoel Pio Correa Júnior merece maior
credibilidade?”
A Folha
de S.Paulo e o Observatório
da Imprensa noticiaram no sábado
(14/12/2013) a morte do embaixador Manoel Pio Corrêa Jr. O mesmo fato, a mesma
data, a mesma personagem, mas com abordagens completamente diferentes.
Para a Folha,
tratava-se da morte de um bom velhinho, que adorava viagens e livros,
especialista na Revolução Francesa, poliglota.
Para o Observatório,
tratava-se da morte um colaborador ativo do regime militar, golpista e
dedo-duro, espião da CIA, criador do CIEx, o serviço secreto do Itamaraty que
vigiou Jango e Brizola, autor da denúncia que provocou a demissão do poeta e
compositor Vinícius de Moraes etc.
A
disparidade de abordagens é tal, que dispensa interpretações.
Basta
a leitura das duas matérias para que se possa constatar a que raias de
descalabro chega a falsa imparcialidade da grande imprensa brasileira. Para que
você tire suas próprias conclusões, segue, abaixo, a transcrição das duas
matérias.
***
>> Abaixo, a matéria da Folha
de S.Paulo, assinada por Andressa Taffarel:
MANOEL
PIO CORRÊA JR. (1918-2013)
O diplomata, as viagens e os livros
Andressa
Taffarel
Ao
lado da família, o carioca Manoel Pio Corrêa conheceu os cinco continentes
ainda criança. Seu pai, um famoso botânico de mesmo nome, viajava o mundo como
pesquisador do museu de história natural de Paris à procura de plantas
desconhecidas.
Durante
o toda a vida, Pio não deixou de cruzar continentes. Diplomata, viveu em vários
países. Tinha um carinho especial por Argentina e México, mas seu coração era
da França, para onde ia de duas a três vezes por ano.
Grande
conhecedor da Revolução Francesa, era dono de cerca de 1.000 publicações só
sobre o tema, em diferentes línguas –falava pelo menos seis, além do português.
Sua
biblioteca particular, no entanto, era muito maior. Herdou centenas de livros
de seu avô paterno, um livreiro espanhol, e do escritor brasileiro Graça
Aranha, avô de sua mulher, Thereza Maria.
Também
é autor de vários títulos, entre eles o de memórias “O Mundo em que Vivi”.
Ultraconservador,
apoiou o golpe de 1964 e considerava Getúlio Vargas e Castelo Branco os
melhores presidentes do Brasil. Colega de Alzira, filha de Getúlio, na
Faculdade de Direito do RJ, trabalhou no gabinete do político.
Após
se aposentar no serviço diplomático, no qual ficou de 1937 a 1969, presidiu as
unidades brasileiras da Siemens e da American Express. Trabalhou ainda em
outras empresas e prestou consultoria até pouco tempo atrás.
Sofria
de uma doença degenerativa. Morreu na sexta (6), aos 95 anos. Deixa a viúva,
com quem foi casado por 70 anos, e os filhos, Manuel e Luiz, também diplomata.
***
>> E aqui está a matéria do Observatório
da Imprensa, assinada por Luiz Cláudio Cunha
A dupla morte da caça e do caçador
Luiz
Cláudio Cunha
O fio caprichoso da História cruzou na sexta-feira, 6 de dezembro, o destino final da caça e do caçador da ditadura militar brasileira. No mesmo dia em que o ex-presidente João Goulart era sepultado, pela segunda vez, em sua terra natal, São Borja (RS), morria no Rio de Janeiro, aos 95 anos, o diplomata Manoel Pio Correa Júnior, criador do serviço secreto do Itamaraty que vigiou Jango e os exilados brasileiros escorraçados do país no golpe de 1964.
Ninguém da grande ou da pequena imprensa
cobriu as exéquias do velho embaixador, ao contrário da mídia nacional que há
quase um mês acompanha a exumação, as honras de Estado e as homenagens a Jango,
no Congresso Nacional e fora dele. A notícia quase oculta, justificadamente
escondida da morte de Pio Correa foi dada pelo desconhecido Conselho Nacional
de Oficiais R/2 (Reserva) do Brasil, que apresentava Pio Correa como diplomata
e Capitão R/2 da Arma de Cavalaria. Mas foi como diplomata e perseguidor de
comunistas na carreira diplomática que Pio Correa fez sucesso, tornou-se temido
e acabou afamado. No seu livro de memórias, O
mundo em que vivi (1999), onde não revela
quase nada, Pio Correa se vangloria de seu papel de conspirador: “A vitória da
Revolução de 31 de março de 1964 representou a coroação de minhas mais caras
esperanças”. No pequeno necrológio de seus camaradas de ditadura, é lembrado
que num de seus últimos livros, O
Granadeiro Emparedado, de 2005, o diplomata critica “o
descaso com que as Forças Armadas são tratadas no Brasil”.
Caça a diplomatas
Premiado
pelo primeiro general da ditadura, Castelo Branco, com a embaixada em
Montevidéu, começou lá, com o coronel Câmara Senna, adido militar da embaixada
no Uruguai, a articular a obra mais terrível de sua carreira: a montagem do
secreto Centro de Informações do Exterior (CIEx), formado inicialmente por uma
rede de contatos que incluía políticos, militares, juízes, delegados de
polícia, fazendeiros e comerciantes que fechavam o cerco sobre as atividades de
João Goulart e Leonel Brizola, então exilados no país.
A
bem sucedida experiência uruguaia o levou, como secretário executivo do
chanceler Juracy Magalhães, a redigir e assinar a portaria ultrassecreta que
criou o CIEx no governo Castelo Branco. Tão secreta que não constava da
estrutura formal do Itamaraty.
A sua existência só foi confirmada em
2007, pela monumental série de reportagens produzida pelo repórter Cláudio
Dantas Sequeira, doCorreio Braziliense, revelando a ação repressiva da
primeira agência criada sob o amparo do Serviço Nacional de Informações (SNI) e
de seu criador, o general Golbery do Couto e Silva. O repórter revelou que, no
início, o secreto CIEx foi camuflado como Assessoria de Documentação de
Política Exterior, ou simplesmente ADOC, com verba secreta e subordinado à
Secretaria Geral de Relações Exteriores. Na primeira década, até 1975,
funcionou dissimulado como seu criador na sala 410 do quarto andar do Anexo I
do Palácio do Itamaraty, em Brasília. Desativado junto com a ditadura, o lugar
hoje abriga a inofensiva Divisão de Promoção do Audiovisual.
Vasculhando 20 mil páginas de documentos
com 8 mil informes escondidos nos arquivos do CIEx, o repórter Sequeira apurou
que, dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime, os nomes de
64 das vítimas estavam lá, nas pastas secretas de Pio Correa. Em seu livro de
memórias, Por dentro da Companhia,
o agente norte-americano Phillip Agee revela que Pio Correa era agente da
estação da CIA em Montevidéu quando servia como embaixador no Uruguai. O braço
direito de Pio Correa em Montevidéu e amigo fiel era o diplomata Marcos
Henrique Camilo Côrtes, nomeado primeiro diretor-executivo do CIEx. No governo
Costa e Silva, acompanhou Pio Correa na embaixada em Buenos Aires e, logo em
seguida, foi enviado “em caráter especial” a Washington para estreitar os laços
com o setor de inteligência da CIA. Como segundo homem do Itamaraty, no
primeiro governo da ditadura, Pio Correa promoveu uma caça aos diplomatas que,
em resumo, classificava como “pederastas, bêbados e vagabundos”. O poeta,
compositor e diplomata Vinícius de Moraes foi perseguido por Pio Correa e
aposentado em 1968 pelo AI-5.
Sem cobertura
No
crepúsculo da ditadura, muitos arquivos do regime foram destruídos, mas o
acervo do CIEx foi salvo pelo secretário-executivo que fez a transição da
ditadura para a democracia, entre 1985 e 1990, embaixador Paulo Tarso Flecha de
Lima, que recusou a ordem dos militares para limpar as gavetas.
Assim,
salvou a obra funesta de Pio Correa, que morreu na sexta-feira (6/12), o mesmo
dia em que Jango voltava à sepultura de São Borja. Caberá à História, agora,
reservar o espaço devido a quem foi caça e a quem foi caçador no regime que
derrubou Jango e que forjou Pio Correa.
Jango
voltou a Brasília, em novembro, e baixou à sepultura em São Borja com honras de
chefe de Estado, sob as câmeras da imprensa e da TV.
Pio
Correa foi enterrado no dia seguinte, sábado (7/12), quase anônimo, no
cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Nenhum repórter testemunhou a
cena.
***
Benedito Tadeu César, do Sul21
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